MEIO AMBIENTE

Artigo: O Cerrado e o G20: à espera de soluções

No início de 2024, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostraram uma redução de 50% do desmatamento na Amazônia (área desmatada de 5.151,6 km²) em 2023, mas uma alta de 43% na conversão do Cerrado (perda de 7.828,2 km² de vegetação nativa) no mesmo período

Por Mercedes Bustamante, Professora titular da Universidade de Brasília, membro da Academia Brasileira de Ciências

O Brasil ocupa a presidência rotativa do chamado G20 até 30 de novembro de 2024. O grupo inclui 19 países, a União Europeia e a União Africana, é o principal fórum de cooperação econômica internacional, definindo e fortalecendo a arquitetura e a governança global das principais questões econômicas do mundo.

Controlando 84% da economia global, as nações do G20 representam um vetor importante de desenvolvimento e crescimento, mas também respondem pelas grandes crises ambientais globais em decorrências de padrões insustentáveis de produção e consumo. O G20 pode e deve liderar escolhas presentes e futuras que nos recoloquem na trajetória de atingimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável até 2030.

Ao assumir a Presidência do G20, em dezembro de 2023, o Brasil definiu, acertadamente, a inclusão social, o combate à fome e o desenvolvimento sustentável como prioridades, com ênfase na necessidade de financiamento dentro do G20 para combater as mudanças climáticas e promover a sustentabilidade global. Para o Grupo de Trabalho de Meio Ambiente e Sustentabilidade Climática do G20, a presidência brasileira do G20 propôs quatro eixos temáticos: 1. Adaptação preventiva e emergencial a eventos climáticos extremos; 2. Pagamentos por serviços ecossistêmicos; 3. Oceanos; 4. Resíduos e economia circular.

Considerando as implicações que as mudanças no uso do solo têm sobre o clima, a biodiversidade e ecossistemas, a situação atual do bioma Cerrado deveria estar no centro das discussões e ações que envolvem os eixos de adaptação a eventos climáticos extremos, pagamentos por serviços ecossistêmicos e economia circular e por consequência, o financiamento sustentável.

No início de 2024, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostraram uma redução de 50% do desmatamento na Amazônia (área desmatada de 5.151,6 km²) em 2023, mas uma alta de 43% na conversão do Cerrado (perda de 7.828,2 km² de vegetação nativa) no mesmo período. O índice no Cerrado é o maior desde 2019, que é o período inicial da série histórica do Deter e é a primeira vez em cinco anos que a área convertida anualmente no Cerrado é maior do que na Amazônia.

A maior perda de vegetação concentrou-se, como em anos anteriores, na região conhecida como Matopiba, que inclui Maranhão, Bahia, Tocantins e Piauí, representando um avanço significativo sobre os fragmentos mais preservados do Cerrado. Em novembro de 2023, o MMA lançou o PPCerrado (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado) com a meta de alcançar o desmatamento zero no bioma até 2030. São seis anos que demandarão ações robustas e ambiciosas em um contexto de fortes resistências de setores ligados ao agronegócio.

Há evidências científicas sólidas de que os ecossistemas e sua biodiversidade contribuem significativamente para o bem-estar humano e para a economia, e a conservação ou restauração do estado da natureza está no centro da agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Conectar a natureza ao bem-estar humano é central para tomar decisões políticas eficazes.

Identificada como uma estratégia para o imperativo imposto pelas crises globais, a bioeconomia é um setor em crescimento e, cada vez mais, um paradigma emergente no qual os recursos biológicos fornecem a base para o valor e os bens econômicos. A criação de novas cadeias de valor de base biológica pode ajudar na valorização e conservação da biodiversidade e estimular o desenvolvimento sustentável com base em recursos renováveis locais.

Aqui, novamente, o Cerrado, como a savana de maior diversidade biológica no mundo, deveria ser alvo de atenção prioritária. No entanto, até o momento, as visões prevalentes de bioeconomia têm se concentrado principalmente na extração de bens da natureza e, muitas vezes, sem considerar a integridade de ecossistemas que são cruciais para sociedades sustentáveis em longo prazo. Adicionalmente, garantir que diferentes grupos e visões de mundo, incluindo as relações com a natureza, terão participação ativa nas decisões e distribuição equitativa dos benefícios de diferentes formas de Bioeconomia.

O requisito mínimo para a Bioeconomia que o Brasil deve almejar é que sejam conservados os ecossistemas existentes e sua diversidade biológica e restaurados aqueles já degradados enquanto são combatidas injustiças sociais oriundas da apropriação dos recursos e benefícios ambientais por poucos.

O Brasil tem na interface entre uma Bioeconomia com base na sociobiodiversidade e nos serviços ecossistêmicos uma oportunidade singular de aliar sistemas de conhecimento tradicional e científico, governança inclusiva e políticas inovadoras para pavimentar uma trajetória promissora de sustentabilidade. A situação crítica de conservação do Cerrado e seu reconhecido papel no provimento de serviços ecossistêmicos, sua riqueza de espécies e de culturas faz desse bioma uma escolha estratégica para começar a implementar tal trajetória. 

 

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