Depois de incorporar o folião e também acompanhar pelos noticiários as festas por todo o país, tive que, mais uma vez, vir aqui e, desta vez, para falar do carnaval. Alguém tem de fazê-lo. Todo mundo está cansado de saber que é a maior festa popular do país. A manifestação brasileira, em específico, deve ser a maior do planeta. Não consigo imaginar algum outro povo que empreenda folia maior do que a nossa naqueles quatro ou cinco dias (ou mais) de fevereiro.
Apesar de ser, a meu ver, a mais representativa manifestação cultural brasileira, a origem do carnaval vem de muito antes de existir o Brasil. Há registros de festas populares celebradas em períodos similares do ano desde a antiguidade. Durante as Saceias, na Babilônia, um prisioneiro assumia o papel de rei, vestindo as roupas da majestade e usufruindo, inclusive, de suas mulheres, antes de ser chicoteado e enforcado ou empalado. No equinócio de primavera, o rei perdia seus emblemas de poder e era surrado em frente à estátua de Marduk, como forma de mostrar a submissão do rei à divindade.
Na Roma antiga, a Saturnália e a Lupercália eram celebradas com muita bebida, comida e dança. Escravos e senhores também trocavam de lugar pontualmente nesses períodos. Há indícios de homens se vestindo de mulher em antigas civilizações da Mesopotâmia. Tudo isso parece um pouco familiar (excetuando-se as surras, os empalamentos e os enforcamentos). O que há em comum em todas essas festas dos tempos antigos é a subversão dos papéis sociais.
Ao Brasil, o carnaval chegou trazido pelos colonizadores europeus. Apesar de ser uma herança branca, a celebração é historicamente comandada pelas classes mais populares. Trabalhadores e trabalhadoras passam a ser reis e rainhas de suas agremiações durante o carnaval. Samba, maracatu, funk e outros ritmos de origem negra dominam as ruas das cidades do Brasil.
O carnaval brasileiro é diaspórico justamente porque teve que haver a migração forçada de milhões de africanos para o lado de cá do Atlântico para que hoje existisse esse espetáculo tal como ele é: alegre, vibrante e político. O carnaval incomoda uma certa classe justamente por ser uma festa que confronta a desigualdade. Na rua, pelo menos nos momentos mais inebriantes, os diferentes extratos da sociedade convivem uma breve e surreal experiência de igualdade, mesmo que fantasiosa (para um país como o Brasil, isso já é surpreendente).
Embora muita gente ainda o veja apenas como um evento de libertinagem, abuso de drogas e sujeira nas ruas, ainda ama-se muito o carnaval. Artistas e agentes culturais abdicam da própria folia para ver a gente toda se jogando no fervo. São heróis.
Agora, sim: feliz 2024 a todos!
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