Intolerância

Ana Dubeux: Não vamos ideologizar a fé

O Brasil é um país laico e preocupa muito que o sagrado de cada um de nós seja colocado como moeda de troca na política, por exemplo

Passado o carnaval, o ano toma seu rumo. Começa a caminhada, que promete ser apressada. Mas, neste domingo, que encerra a temporada de festas (sim, ainda tem gente se esbaldando por aí), quero retomar um tema que visitou o noticiário — visitou é modo de dizer: na verdade, rendeu a folia inteira.

A conversa em torno do sagrado foi para cima do trio. Ivete Sangalo e Baby do Brasil protagonizaram o embate, provocado por Baby que fez o que não deveria: evangelizar a folia, reverberando suas previsões apocalípticas. Ivete deu o troco e convidou o público a "macetar o apocalipse" previsto por Baby, fazendo o que estava ali para fazer: a alegria de seu público.

Retomo o assunto que viralizou apenas por um motivo. Apesar de um evento sem grandes proporções, entendo que é um momento que nos chama a refletir sobre o uso indevido de crenças e religiões em outras dimensões, que não sejam a íntima, a pessoal, a familiar, a comunitária.

O Brasil é um país laico e preocupa muito que o sagrado de cada um de nós seja colocado como moeda de troca na política, por exemplo. Estamos em ano eleitoral. O país ainda não conseguiu se livrar da imensa polarização e radicalização. Religião não é partido político, nem deve ser bandeira ideológica.

A fé das pessoas tem sido usada indevidamente para semear discórdia e fomentar ódio a políticos que não comungam da mesma visão de outros. O sagrado não deve estar a serviço do poder — ou da briga por ele.

Este é um erro frequente. No país que tem mais templos do que escolas e hospitais, temos de ser vigilantes para não cair nessa armadilha, ainda mais com a inteligência artificial, que pode ser usada para todo tipo de manipulação. Vivemos ainda a ressaca de um período de ataques à nossa democracia, é bom lembrar.

Sou uma pessoa de fé inabalável. E me sinto pessoalmente ofendida quando qualquer um usa minha crença para incutir ideias que nada tem a ver com o divino. O sagrado, para cada um de nós, deve ser uma força que constrói e não instrumento de manipulação — seja no carnaval, seja na eleição.

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