ANDRÉ GUSTAVO STUMPF
Jornalista
Interessante e inteligente a sequência de visitas que o presidente Lula fez aos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Todos eles são governados por expoentes da oposição ao governo. O presidente da República percebeu que o momento é de conciliar, e trabalhar junto com outros personagens fora de seu circuito partidário, para poder propor projetos e avançar na conquista de territórios políticos. A eleição municipal é a antessala da eleição presidencial. É da tradição brasileira a conciliação que vem desde o Império. Quem rompe com esse círculo costuma pagar preço elevado.
O presidente Lula fez questão de se deixar fotografar abraçado a Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, o mais destacado aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, talvez candidato à reeleição em São Paulo ou numa jogada mais ousada à Presidência da República. O presidente assinou documento que libera verbas federais para construção do túnel Santos-Guarujá, que também deverá receber dinheiro do estado de São Paulo. E colocou-se publicamente à disposição do governador paulista. Ele prega a conciliação e o respeito democrático que permita a convivência dos antagônicos no mesmo espaço político.
No Rio de Janeiro, inaugurou obras ao lado do governador, bolsonarista de carteirinha, e recebeu afagos do prefeito da cidade. Ainda teve tempo para se encontrar com sambistas e participar um pouco da permanente festa carioca. Em Minas, subiu no palanque com Romeu Zema, candidato declarado à Presidência da República. Fechado esse périplo, ele fará o que mais gosta: viajar para o exterior, especificamente para a África, onde o Brasil disputa a hegemonia com a China nos países de língua portuguesa. Não há possibilidade de confrontar os asiáticos no comércio e na indústria, mas brasileiros podem avançar nos sistemas de produção agrícola. É uma presença importante.
O exemplo maior de conciliação foi Getúlio Vargas, que soube conviver com os contrários até liquidá-los. O presidente Juscelino Kubitschek conseguiu atingir suas metas de governo e a meta-síntese, que era a construção de Brasília, dividindo os adversários. Entregou a Virgílio Távora, cearense, membro da UDN, partido de oposição, um lugar no Conselho Administrativo da Novacap. Enfrentou rebeliões de militares da FAB, que protestaram contra sua eleição e se refugiaram em Jacareacanga e Aragarças, naquela época cidades quase inalcançáveis por serem isoladas no meio da mata. JK negociou com os rebeldes e acabou com a sedição. Posteriormente, anistiou os rebelados. Todos desapareceram na história.
Os militares que estiveram ao lado do ex-presidente Bolsonaro, na tentativa de golpe de Estado, estão, agora, sentindo os rigores da lei. Eles tiveram todos os meios à sua disposição para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), prender oposicionistas e instalar um governo forte no país. Não conseguiram por incompetência e porque não tiveram o apoio do comando das Forças Armadas nem da população. Não souberam nem fazer uma campanha política eficiente. Perderam no golpe e na eleição. Estão na incômoda posição de se explicar nos inquéritos abertos pela Polícia Federal. Um vexame que militares de alta patente tenham tramado contra as instituições democráticas de seu país. Tentaram colocar o Exército contra o povo e dividir o país para iniciar um período de profundas incertezas econômicas e políticas.
Outro exemplo relevante é o do senador Sérgio Moro, que combateu a corrupção na Petrobras de maneira aberta e incisiva. Não perdoou ninguém, usou e, talvez, abusou de seus poderes para atingir objetivos. Prendeu aos montes, inclusive o então ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Muita gente confessou e admitiu ter desviado dinheiro público em números astronômicos, bilhões de dólares. Todos, no entanto, foram inocentados. As multas estão sendo desconsideradas. Tudo, lentamente, retornou ao status quo de antes. E Moro está às vésperas de ir para a guilhotina política.
É difícil fazer política no Brasil, porque há uma mão invisível que controla aventureiros ou líderes libertários que pretendem modernizar o país rapidamente. Há muitas conexões entre o poder e o dinheiro, muitos escaninhos por onde transitam interesses de todos os tipos. O atual Congresso Nacional já não se preocupa tanto em esconder suas mazelas. O jogo está mais aberto. Lula tem razão. Depois de se acertar com Arthur Lira, ele vai misturar o bolo partidário para ser de novo candidato à Presidência da República, mesmo que tenha que sacrificar seu partido. A evidência maior é o retorno de Marta Suplicy, crítica feroz do PT, à legenda. Ela veio porque Lula a convidou e abriu o espaço para sua volta gloriosa. A direção do partido engoliu o sapo em silêncio obsequioso.