Pesquisa

Percepções globais sobre ciência e sociedade

Aproximadamente 53% dos 32 mil entrevistados afirmaram acreditar que a interferência política frequentemente coloca em risco a integridade e a autonomia do processo científico

MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES
Pesquisador da Embrapa Agroenergia

Em um mundo impulsionado por rápidos avanços tecnológicos e transformações sociais profundas, a confiança na ciência emerge como o alicerce essencial para a estabilidade e progresso da sociedade contemporânea. Em um cenário onde a busca pelo conhecimento está intrinsecamente ligada aos desafios enfrentados pelo mundo, a renomada empresa global de comunicações Edelman conduziu uma pesquisa abrangente que lançou luz sobre as percepções da sociedade em relação à ciência.

Com uma abrangência que atingiu 32 mil respondentes em 28 países, incluindo o Brasil, a pesquisa — publicada em janeiro de 2024 — avaliou a confiança na ciência para moldar percepções sobre inovações e influenciar a capacidade da sociedade em lidar com desafios complexos. Os dados revelam que 74% dos entrevistados expressam confiança na capacidade dos cientistas de comunicar a verdade sobre avanços científicos e tecnológicos.

No entanto, aproximadamente 53% dos entrevistados afirmaram acreditar que a interferência política frequentemente coloca em risco a integridade e a autonomia do processo científico. Esse é um sinal de alerta importante, pois a capacidade da sociedade de enfrentar crises, como mudanças climáticas, pandemias e rupturas tecnológicas ocorrendo em prazos cada vez mais curtos, está diretamente ligada à confiança depositada na ciência.

A análise dos resultados também revela preocupações quanto à confiança pública na capacidade dos governos de regular inovações emergentes. Em 26 dos 28 países, os entrevistados indicam que os formuladores de políticas carecem da compreensão necessária das novas tecnologias para regulamentá-las efetivamente. Essa limitação pode comprometer aspectos éticos e de segurança das inovações que moldarão o nosso futuro.

A respeitada revista científica Nature repercutiu, em seu editorial de 1º de fevereiro de 2024, os resultados da pesquisa Edelman, destacando a importância vital da confiança da sociedade na ciência. O editorial sugere que os cientistas explorem essa confiança para influenciar políticas públicas embasadas em evidências e aponta para um desafio adicional: a necessidade de maior envolvimento das ciências sociais, como economia, ética e sociologia, na tomada de decisões baseadas em evidências geradas pela ciência.

Integrar mais especialistas nessas áreas amplia as possibilidades de obter insights valiosos frente a desafios multifacetados e complexos, cada vez mais comuns no panorama global. No entanto, a interdisciplinaridade, que tem o poder de expandir a visão dos cientistas sobre as implicações sociais, econômicas e éticas das inovações, esbarra em uma realidade preocupante: muitas instituições e cientistas permanecem enclausurados em silos disciplinares, o que limita sua capacidade de questionar o status quo e resistir a interferências que comprometem a integridade do processo científico.

O Relatório de Riscos Globais 2024, lançado no Fórum Econômico Mundial em Davos, destaca que em um mundo fragmentado e desafiado por crescentes incertezas, a ciência pode se tornar presa fácil para interesses pouco comprometidos com a busca de um futuro sustentável. O documento ressalta que a fragmentação global pode fragilizar a pesquisa científica, com atores importantes rejeitando a cooperação internacional e a troca de conhecimento para salvaguardar avanços tecnológicos.

O relatório também destaca que a falta de recursos financeiros e políticas públicas adequadas pode impedir que avanços científicos sejam traduzidos em impacto real para a sociedade. Essa carência pode limitar a capacidade dos países de transformarem o conhecimento em ações concretas que beneficiem a sociedade. Tais cenários podem comprometer a integridade e a autonomia da ciência, tornando-a mais vulnerável a interferências pouco comprometidas com a busca de um futuro sustentável.

Tais vulnerabilidades servem como um chamado à ação para governos, empresas, sociedade civil e academia. Os cientistas e as instituições científicas precisam, mais do que nunca, se sentir responsáveis pela compreensão e mitigação desses riscos, especialmente diante de uma realidade global marcada por incertezas econômicas, geopolíticas e sociais, bem como pela aceleração de rupturas tecnológicas.

Não há como ignorar a lacuna entre as soluções propostas pela política e pelos negócios e a complexidade de promover o desenvolvimento sustentável em um mundo multifacetado e populoso. Com uma projeção para 8,5 bilhões de habitantes até 2030, a necessidade de investimentos persistentes em ciência e sistemas de conhecimento multidimensionais torna-se premente. Esses investimentos não só impulsionarão a integração de saberes, mas também sustentarão mudanças transformadoras nas dimensões econômica, social, política e tecnológica.

A confiança na ciência não se resume apenas a reconhecer a veracidade das descobertas científicas, mas também a compreender a complexidade de sua aplicação na sociedade. Por isso, é essencial que cientistas, governos e sociedade estreitem laços, superando o reducionismo e a simplificação da realidade, para juntos construírem um futuro onde a ciência seja verdadeiramente uma força catalisadora para o bem-estar global. 

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