Ação afirmativa

Artigo: Racismo estrutural no Brasil

Relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Afrodescendentes e o racismo no Brasil demonstrou preocupação com o racismo "estrutural e institucional" existente no país

ROBERTO RODRIGUES
Jornalista e psicanalista

O racismo causa dor psíquica, portanto, quando o negro vai ao consultório de um psicanalista negro, sente-se reconhecido, tratado como igual. O que a psicanálise faz, e pode fazer quanto a esse problema? Se o racismo é uma questão social, como a gente faz quando ele manifesta-se nos consultórios, por intermédio dos discursos dos analisados? É preciso ouvir o que está além dos ruídos sociais.

Há pouco tempo no Brasil, não se falava quase nada sobre o tema. E os poucos negros nos consultórios ajudaram a acender a luz no painel de dificuldades em que a psicanálise buscou compreender e enfrentar com atenção cada caso. O sujeito negro pergunta-se: "Se não existe racismo, por que tanta dificuldade de emprego, estudo, tratamento respeitoso em locais públicos e privados? Por que sempre o olhar da desconfiança que sofro? Em que país eu vivo?"

Relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Afrodescendentes e o racismo no Brasil demonstrou preocupação com o racismo "estrutural e institucional" existente no país. O organismo enfatizou que a discriminação contra negros precisa ser combatida com mais medidas; mas reconheceu avanços do Brasil, como a criação das cotas e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela constitucionalidade do sistema; outro destaque foi a criação da lei que prevê a inclusão obrigatória da história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio.

A Organização das Nações Unidas (ONU) diz que a polícia precisa de treinamento e sensibilização para mudar a cultura de violência. Essa constatação é dos peritos da ONU que visitaram várias regiões do Brasil. De posse desses dados que a nação brasileira tem consciência, os candidatos negros nas eleições de 2022 poderiam ter elaborado propostas de políticas para este segmento social, em detrimento das cansativas acusações a que estamos assistindo.

Trago, aqui, interação pelo Facebook com o advogado e professor de direitos humanos Renato Ferreira, tendo em referência protestos contra o racismo nos Estados Unidos. Reproduzo-a abaixo: Renato Ferreira: "Por que os negros brasileiros não se revoltam como os norte-americanos?". Roberto Rodrigues: "Meu amigo, o negro brasileiro é um negro único no mundo porque não se vê como um povo. Não foi educado para se ver como um povo. O negro brasileiro foi programado para sequer se ver como negro. O negro brasileiro foi educado para cair no conto do vigário, na versão criada pela elite de que somos "um povo feito por muitos povos".

A lei que aumenta a pena para crime de injúria racial foi sancionada pelo presidente em 12 de janeiro do ano passado. Com essa norma, esse tipo de atitude pode ser punida, com reclusão entre 2 a 5 anos e a punição poderá ser dobrada, em caso de reincidência, por duas ou mais pessoas. Antes, a punição era de 1 a 3 anos. A nova medida se alinha ao entendimento do STF que, em outubro do ano passado, equiparou a injúria racial ao racismo. Portanto, a injúria racial tornou-se assim crime inafiançável e imprescritível. A nova lei atualiza o agravante (reclusão de 2 a 5 anos e multa), quando o ato é cometido pelos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, incluindo também os casos de postagem em redes sociais ou na internet.

Havia me prometido não falar mais em discriminação racial, porém não posso me calar diante dos fatos diários, pois falam mais alto que as palavras e me obrigam a descumprir a promessa. A matéria do UOL sobre o servidor público federal negro em Cuiabá que comprou um sapato, pagou com dinheiro e logo depois foi acusado pelos seguranças da loja de tê-lo roubado mexeu comigo. Essa é uma realidade presente em nosso cotidiano.

Vamos aos fatos: eu na fila do caixa de um supermercado aqui no Sudoeste, bairro nobre de Brasília, fui surpreendido, quando um funcionário anunciou que um automóvel, marca Fox, estacionado do pátio, estava com os vidros abertos. Ele perguntou a cada uma das pessoas que esperavam na fila do caixa quem era o proprietário do dito automóvel? Embora eu estivesse também na fila não fui consultado. Pulou para o cliente que estava depois de mim, sem sequer me observar. Outro episódio: fui ao lançamento do livro de um colega de trabalho no Restaurante Carpe Diem. No evento, os garçons serviram a todos os convidados, exceto eu e um amigo, o professor Henrique Silva. Ao sair perguntei ao chefe deles: por que justamente na mesa em que estavam os únicos convidados negros, os garçons nem sequer chegaram perto? Deixo em aberto para reflexão.

 

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