Plataformas digitais

Em vez de fake news, sigam o dinheiro

A integridade da informação seria o lado avesso da desinformação (informação falsa ou enganosa popularmente conhecida como fake news).

LIRIAM SPONHOLZ, professora visitante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília

Em 18 e 19 de novembro de 2024, os líderes das maiores economias do mundo se reunirão na Cúpula do G20 no Rio de Janeiro. O Brasil tem uma meta ambiciosa para este encontro: colocar a pauta digital em alta, sobretudo responsabilizando as big techs pelo combate à desinformação.

Analisando mais concretamente a pauta do G20, dois fatores saltam aos olhos: o primeiro é a concentração nos conteúdos, sobretudo dentro do capítulo chamado integridade da informação. Esse conceito foi analisado detalhadamente pela pesquisadora Nina Santos. Ela aponta que o termo foi criado para atender demandas de países do chamado Norte Global, preocupados com intervenções estrangeiras nos seus processos político-eleitorais (leia-se, aqui, a suposta intervenção de agentes russos nas eleições de Donald Trump em 2016).

A integridade da informação seria o lado avesso da desinformação (informação falsa ou enganosa popularmente conhecida como fake news). Além da desinformação, o termo "discurso de ódio" também é mencionado. Mas qual é o problema de se concentrar em combater fake news e discurso de ódio?

O problema é que ambos são instrumentos para fins, e esses precisam ser tocados pelas políticas voltadas ao meio digital. Tanto discurso de ódio quanto desinformação são, sobretudo, conteúdos em um ambiente digital que não vive de conteúdo, mas, sim, de interação (leia-se gerar público consumidor). É, portanto, no modelo de negócios das plataformas digitais que o problema mora. Um modelo de negócios que impulsiona qualquer conteúdo que gere interação, independentemente da qualidade de tal conteúdo.

De 2017 a 2019, por exemplo, a então empresa Facebook, atual Meta, impulsionou conteúdos que receberam um emoji de raiva, em vez daqueles que receberam likes ou outros tipos de interação. Entre esses conteúdos, havia retórica de intenção polemizadora e discurso de ódio. Por que uma plataforma digital faz isso? Não é para causar danos, é para provocar interação, isto é, cliques, publicidade e financiamento.

Nas eleições de 2018, em meio às eleições presidenciais norte-americanas, um grupo de jovens da Macedônia trabalhou intensivamente na produção e propagação de "notícias falsas". Eles não o fizeram por serem apoiadores de Donald Trump, mas, sim, porque as notícias que criaram se transformaram em caça-clicks — os chamados click baits — garantindo-lhes uma renda extra por meio das interações geradas por este.

No entanto, há mais um problema — esse, sim, político — gerado pelo negócio das interações a qualquer custo e que, diferentemente das intervenções estrangeiras na produção de informações falsas, atinge diretamente os países do chamado Sul Global: a radicalização on-line.

Nesse caso, em busca de interações, as plataformas digitais têm levado as pessoas a se fecharem, cada vez mais, em ambiências digitais que compartilham os mesmos valores, conectadas, não só a conteúdos de qualquer tipo, como também a atores sociais. Forma-se, assim, o cenário perfeito para preparar mobilizações on-line que podem resultar em insurreições como as do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021 ,e as do 8 de janeiro de 2023, no Brasil.

Infelizmente, ao contrário da desinformação e do discurso de ódio, a radicalização on-line que vem fragilizando algumas das maiores democracias do mundo, como o Brasil e a Índia, foi mencionada uma única vez nas agendas oficiais preparatórias para o G20, sem receber qualquer atenção maior.

Por outro lado, seria injusto dizer que a pauta oficial não fala do modelo de negócios das plataformas digitais. O problema é que ele parece ser colocado como um problema a mais, o que inclui desde desinformação, discurso de ódio e modelo de negócios das plataformas até sistemas de inteligência artificial. Por fim, se quisermos ter algum controle social sobre os riscos trazidos pelas plataformas digitais para as nossas democracias, não adianta olhar somente para o conteúdo divulgado via plataformas digitais, é preciso, sobretudo , seguir o dinheiro que financia tais plataformas.

 

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