Extremos

Via alternativa: publicizar

A falta desta visão alternativa aos polos faz com que a terceira via fique vazia, ora para um lado, ora para o outro, dos dois extremos. Um dos pontos dessa oscilação é a maneira como se enfrenta a questão das estatais

CRISTOVAM BUARQUE, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

Faz anos que os analistas e militantes políticos denunciam e reclamam da política dividida em extremos e, por isso, tentam defender a ideia de uma terceira via, esquecendo que o problema dos polos não está em suas posições extremas, mas no fato que ambos são conservadores em suas posições antigas e nostálgicas. Estão obsoletos, não apresentam novas ideias para o futuro diferente que o progresso requer. Mais grave, a terceira via se limita a dizer que nem é de um lado nem é do outro, sem apresentar uma via alternativa. A política brasileira está dividida entre dois polos obsoletos e um centro vazio.

Um exemplo do obsoletismo está na visão, no lado que se considera esquerda, de que o bom funcionamento da economia depende da estratégia usada no século passado do controle e da tutela do Banco Central pelo Estado. Do outro lado, que se considera direita, a visão é ainda mais obsoleta do fim do papel do Estado na economia. No meio disso, a terceira via não apresenta uma alternativa para o papel do Estado na estratégia de crescimento econômico.

A falta desta visão alternativa aos polos faz com que a terceira via fique vazia, ora para um lado, ora para o outro, dos dois extremos. Um dos pontos dessa oscilação é a maneira como se enfrenta a questão das estatais. Um polo defende, nostalgicamente, a manutenção delas, como se o Estado fosse sinônimo do público, e o setor privado fosse necessariamente contrário ao interesse público. O outro polo, ainda mais nostalgicamente, defende o tempo em que as estatais não existiam e propõe a privatização generalizada como condição para dinamizar a economia. No autointitulado centro, a terceira via não apresenta visão própria para o assunto e fica oscilando.

A calcificação das forças políticas em extremos deixa a política brasileira dividida entre privatizar as atuais empresas estatais, mesmo que isso tire delas o papel estratégico para o país, ou manter as estatais nas mãos do Estado, mesmo que elas sigam ineficientes, sem compromisso público e servindo aos interesses dos seus servidores e dos partidos no poder. Ainda reclamam dos eleitores que não se seduzem por uma terceira via que não diz o que propõe, em substituição aos extremos. O eleitor fica órfão de propostas.

Uma alternativa seria defender a submissão das empresas, privadas ou estatais, ao serviço de interesse do público e da nação. As empresas privadas com papel público graças a: eficiência na produção para atender às demandas da população, garantia de preços reduzidos pela competição livre no mercado, criação de emprego, pagamento de impostos, obtenção de lucros para aumentar a poupança e investimentos, inovar e dar qualidade ao produto e conquistar competitividade internacional. Ao contrário desse propósito de servir ao interesse público, muitos dos que defendem o setor privado querem: subsídios públicos para cobrir a ineficiência de suas empresas, pagar o mínimo ou mesmo sonegar impostos, usar o lucro para financiar consumos conspícuos de seus donos, sem preocupação com inovação e geração de emprego, aceitando desemprego e arrocho de salários, além da constante e perversa degradação social.

Por outro lado, os que defendem a estatização consideram que estatal é sinônimo de público e, com empreguismo, fecham os olhos à corrupção, à ineficiência e ao desrespeito com que os usuários dos serviços estatais são tratados. Consideram pública uma estatal já que está privatizada em benefício de seus dirigentes e servidores, tratam como público um hospital ou uma escola sem qualidade e sem atendimento correto a seus pacientes ou alunos. Usa-se até mesmo a nobre ideia de democracia para defender que a estatal pertence aos seus empregados, e não a todo o povo brasileiro. Além da miopia ideológica decorrente do vício de ver o interesse do público como sinônimo de estatal, o eleitoralismo e fisiologismo dos partidos impedem optar por eficiência sem corrupção, sem empreguismo e com compromisso das estatais com o povo brasileiro.

No lugar de reclamar da calcificação dos extremos, a via alternativa deve defender a publicização da atividade empresarial, algumas empresas servindo ao interesse público nas mãos do setor privado com eficiência, outras em mãos do Estado desde que servindo ao interesse público e não de seus servidores e dos políticos no poder. Mas é difícil pensar que uma acomodada terceira via se transforme em uma via alternativa. Provavelmente, ela vai continuar no vazio de um centro que reclama dos polos sem ter propostas próprias.

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