Há momentos em que a dúvida se torna certeza. Não há como duvidar de que não passa de falácia barata quando pessoas comuns e autoridades afirmam que crianças e jovens são o futuro do país. Por que, então, são tão maltratadas pelos adultos, invisíveis aos mandatários e com necessidades quase sempre ignoradas?
Muitas são forçadas, pelas profundas e graves desigualdades socioeconômicas, a deixar a escola e rendem-se à condição de serem exploradas pelo trabalho precoce. Outras são cooptadas pelas organizações criminosas. Um conjunto de realidades infames que reforça o entendimento de que o "futuro" está em processo de decomposição. Não é mi-mi-mi nem dramatização barata. É uma triste realidade.
Nas últimas semanas, a apreensão de crianças e adolescentes, principalmente negros, ocorre sem que sejam flagrados cometendo atos análogos a infrações penais, como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 230 da Lei nº 8.069/1990) e sem ordem judicial. Os episódios ocorrem nas praias do Rio de Janeiro.
As ações foram motivadas pelos chamados "arrastões", em que jovens furtam objetos dos frequentadores e banhistas das praias cariocas. Ou seja, incorrem em infrações que justificam a ação das forças policiais. Mas será que todos (crianças e adolescentes) que caminham à beira-mar estão com essa intenção?
Amparada pelo ECA, a juíza Lysia Maria da Rocha Mesquita, da 1ª Vara da Infância, do Adolescente e do Idoso do Rio de Janeiro, após várias denúncias, decidiu proibir a apreensão, ordenada pela prefeitura e pelo governo fluminense.
Apreendidos, crianças e adolescentes são levados às delegacias de polícia. Por que não são atendidas por assistentes sociais e por profissionais que apurem onde moram, como vivem e quais suas necessidades? Levá-los à delegacia passa a ideia de que todos são marginais. Mas os executivos locais recorreram da decisão da juíza, embora o ECA seja absolutamente claro quanto à apreensão de crianças e adolescentes. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 16 de dezembro passado, revogou a decisão da juíza Lysia Mesquita.
O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição. Na audiência de conciliação, no último dia 21, o ministro Cristiano Zanin revalidou a proibição e estabeleceu prazo de 60 dias para que a prefeitura e o governo do Rio apresentem um plano de abordagem social de crianças e adolescentes que não viole os seus direitos constitucionais e legais e, principalmente, os de ir e vir deles, bem como de segurança pública voltado para a repressão de adolescentes em conflito com a lei.
Não se trata criança nem adolescente com violência. Mas com acolhimento e respeito, para que, quando adultos, saibam respeitar e acolher os que lhes parecem mais frágeis. Bons exemplos fazem parte do educar para uma cultura não violenta e de paz.
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