Educação

Novo Censo Escolar mostra que ainda há milhares de crianças pobres fora da escola

Os números revelam que há razões para comemorarmos - houve aumento na cobertura de creche e pré-escola - mas evidenciam também os desafios que persistem

Centro de Educação Infantil (CEI) 11 de Taguatinga recebe estudantes na volta às aulas de 2024 -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/DA Press)
Centro de Educação Infantil (CEI) 11 de Taguatinga recebe estudantes na volta às aulas de 2024 - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/DA Press)

São excepcionais os números de ampliação de acesso à creche e à pré-escola recém-divulgados pelo Censo Escolar. As crianças e famílias brasileiras precisam desses serviços e este aumento é motivo para real comemoração. É também positivo poder contar com esse monitoramento feito pelo Inep, ano a ano. Esses dados nos contam onde estamos avançando e também evidenciam os desafios que persistem e precisam ser encarados com urgência — afinal, eles tratam de crianças na primeira infância, fase de intenso desenvolvimento e que tem impactos para a vida toda.

E quais são esses desafios? Há sempre dois grandes aspectos que precisamos olhar para avaliar a educação, o acesso e a qualidade. Os dados do Censo Escolar liberados agora mostram que evoluímos no primeiro. Em 2023, houve um aumento de 5,3% na cobertura de creches, que atende crianças de menos de 1 a 3 anos, e de 4,8% na pré-escola, que contempla a faixa etária de 4 a 5 anos e 11 meses. Apesar dos avanços, ainda não alcançamos as metas do Plano Nacional de Educação (PNE), de inclusão de 50% das crianças em creches e 100% na pré-escola. A cobertura chegou a 41% nas creches e subiu na pré-escola, mas não alcançou a universalização. No entanto, para cada uma dessas etapas, é necessário fazer considerações distintas.

No caso do acesso à creche, no Brasil, trata-se de um direito da criança. O que significa que toda família que deseje uma vaga deve ser atendida. A Constituição de 1988 prevê isso. Num país de território com magnitudes continentais e enorme diversidade regional, as demandas de cada município diferem. Nos grandes centros urbanos, muito provavelmente 50% das crianças na creche não seria o bastante, pois a demanda é bem maior. Já em municípios menores, com outra dinâmica, 50% pode se revelar mais do que suficiente. Portanto, mais do que estabelecer uma meta, cada município deveria unir investimento e esforços para conseguir atender a sua necessidade de creche. Por entender essa diversidade, criamos o Índice de Necessidade de Creche (INC), uma ferramenta gratuita para que cada município consiga olhar para a demanda de sua região e desenhar estratégias bem focalizadas.

A educação infantil, fase que compreende a creche e a pré-escola, é uma etapa fundamental de preparação das bases que a criança vai precisar para os próximos anos, tanto do ponto de vista de interações sociais quanto de aprendizados relacionados à linguagem, números e proporções.

A pré-escola é fase obrigatória da educação básica desde 2016. A obrigatoriedade tem razão de ser: é nesse período que as crianças desenvolvem o interesse e a curiosidade para a prática de leitura e escrita, noções de lógica matemática e sequenciação, sempre por meio de brincadeiras e ludicidade, preparando assim o terreno para a alfabetização na idade certa. Por tudo isso, sabemos que as milhares de crianças de 4 e 5 anos que estão fora da escola estão deixando de receber uma formação essencial para todo o seu percurso educacional.

O acesso tanto à creche quanto à pré-escola é marcado por desigualdades. As crianças que estão fora da educação infantil são pretas, pardas e pobres. O país precisa assumir com maior fervor a responsabilidade de utilizar bem os mecanismos de busca ativa que já existem – de priorizar quem mais precisa e de ir atrás dessas crianças que estão sem o atendimento da educação infantil e, portanto, não têm seus direitos assegurados. Muito provavelmente, estas serão as que mais se beneficiarão da frequência à creche e à pré-escola.

Em paralelo ao desafio do acesso, há o segundo ponto: a qualidade. É preciso avançar numa lógica de avaliação. O país precisa de metas de melhoria. Uma educação de qualidade tem um potencial transformador no desenvolvimento da criança e em toda a sua trajetória escolar, profissional e como cidadã.

Na educação infantil, a estrutura da escola e seus materiais têm impacto direto na qualidade da oferta, já que nessa fase a criança aprende brincando - com o corpo e com materiais de apoio -, interagindo com o ambiente e com outras pessoas. É necessário haver condições para isso. Os dados do Censo Escolar mostram, entretanto, que menos da metade das unidades educativas (41,8%) tem materiais para atividades artísticas; 57,7% oferecem banheiros adequados para as crianças; e apenas 6,7% têm quadra de esportes. Juntamente com infraestrutura, é fundamental cuidar do currículo, práticas pedagógicas e gestão.

Todos esses aspectos devem estar alinhados com as especificidades da educação infantil e das crianças de até 6 anos, em seu estágio peculiar de desenvolvimento.As informações liberadas agora nos ajudam a calibrar nossas estratégias, como país, para ir em busca do que é necessário para que cada criança alcance todo o seu potencial. Esse é o caminho para virar o jogo da desigualdade e quebrar a pobreza intergeracional. Comemoremos os avanços. Mas vamos trabalhar para ter muito mais a comemorar no próximo Censo Escolar.

MARIANA LUZ, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Young Global Leader do Fórum Econômico Mundial e presidente do Conselho do Instituto Escolhas. 

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postado em 24/02/2024 06:00
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