Educação

Direito à educação de estudantes com autismo. Se não for agora, então, quando?

Ainda é preciso avançar, especialmente na transformação da norma abstrata em política pública real, aberta, eficaz e suficiente para toda a população, especialmente a mais vulnerável

É na escola que o estudante com autismo passará uma parte significativa de suas horas -  (crédito: Ilustração/Simbolo Autismo/Agência Brasil)
É na escola que o estudante com autismo passará uma parte significativa de suas horas - (crédito: Ilustração/Simbolo Autismo/Agência Brasil)

Nos últimos 10 anos, muitas foram as conquistas alcançadas pelas pessoas com autismo, fruto de suas lutas e de suas famílias. De forma significativa, a aprovação das Leis nº 12.764/2012 e nº 13.146/2015, modificaram um cenário de inclusão no país ao reafirmar o compromisso do estado brasileiro com as diretrizes da Convenção de Direitos da Pessoa com Deficiência, inclusive instrumentalizando muitos destes direitos.

Entretanto, ainda é preciso avançar, especialmente na transformação da norma abstrata em política pública real, aberta, eficaz e suficiente para toda a população, especialmente a mais vulnerável. Implementação de programas de identificação e intervenção precoce dessa condição, acrescida de ampliação do acesso, permanência, participação e aprendizagem nos espaços escolares são fatores essenciais e, para isso, se faz fundamental a análise continuada das políticas públicas voltadas ao tema para fins de estabelecimento de séries históricas que possibilitem a medição dos impactos da educação inclusiva e das metodologias de ensino e aprendizagem.

É na escola que o estudante com autismo passará uma parte significativa de suas horas. Tornar esse espaço promotor de autonomia e desenvolvimento transforma vidas tanto para aqueles que promovem esse processo quanto para aqueles que o recebem.

Assim, estudantes não autistas, que têm a oportunidade de conviver desde cedo com a diferença, terão mais chances de serem adultos preparados para promover a diversidade, em especial porque terão adquirido habilidades de enxergar potenciais e necessidades de forma natural pelo convívio e laços formados.

Apostar no planejamento continuado e participativo é a força motriz de mudança de realidades. Temos inúmeros exemplos de projetos desenvolvimentistas que foram concebidos e executados ignorando as peculiaridades e diferenças, como se o país fosse um todo idêntico e não um mosaico das enormes diferenças sociais, econômicas e geográficas em que ele, de fato, se constitui.

Se considerarmos que é na diferença que podemos ver potencialidades e diversidades encontramos novas formas de enxergar o mundo, é essencial que esta multiplicidade também se apresenta nas práticas pedagógicas.

Por isso, o documento intitulado "Nortear: Orientações para o Atendimento do Estudante com Transtorno do Espectro Autista", do Conselho Nacional de Educação, tem sido um norte ao discorrer sobre os pontos elencados acima e reconhecer que será na discussão e utilização dessas propostas, sua reconstrução, avaliação e medição de impactos, que poderemos implementar novas formas de edificar uma escola que efetive direitos.

O documento compila a legislação acerca da educação inclusiva de estudantes autistas e, para além disso, descreve como esses enunciados, por vezes principiológicos e abstratos, devem ser interpretados no dia a dia da gestão escolar, a partir das melhores evidências científicas. Mas essa descrição pé no chão não é prosaica, ao contrário, foi construída pensando justamente na pluralidade de formas de existir das escolas brasileiras, com ganchos adaptativos para os diferentes modelos.

Dando um exemplo do argumento, em algumas redes, os estudantes do 1ª ao 5º ano do ensino fundamental têm diversos professores regentes, em outras, somente um. Em alguns lugares, há equipe multidisciplinar para apoiar a educação especial, e não em outros, e assim por diante. Para atender a essa diversidade, o processo de elaboração do plano educacional individualizado deve ser antecedido pela criação de um checklist de responsabilidades naquele contexto específico.

Resolver essas questões, muitas vezes imbricadas entre si, exige do Estado e da sociedade um empenho persistente e incansável na execução de programas e ações diferenciadas. Sob este aspecto, a educação se apresenta como empreendimento de política social e interesse público que é coletivo e indispensável, se quisermos, de fato, eliminar ou, pelo menos, reduzir consideravelmente as desigualdades que desfavorecem o nosso país no campo da educação e proporcionar aos seus cidadãos o usufruto de uma vida melhor e mais digna para todos. Afinal, se não for agora, então, quando?

*LUCELMO LACERDA, Doutor em educação e escritor; FLÁVIA MARÇAL, Advogada, professora da Universidade Federal Rural da Amazônia, doutora em ciências sociais e gestora do Grupo Mundo Azul.

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Lucelmo Lacerda, Flávia Marçal - Opinião
postado em 22/02/2024 06:00
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