Temos observado, com frequência crescente, a ocorrência de alagamentos na Asa Norte do Plano Piloto. As áreas mais atingidas têm sido as quadras 1 e 2 abaixo do Eixo Rodoviário, a 510 Norte e a UnB. O Plano Piloto foi dotado de rede de drenagem de águas pluviais desde a sua construção. Por que, então, ocorrem os alagamentos? Podemos atribuir isso à forma de ocupação das áreas, à forma de construir os prédios, aos critérios de projeto de sistemas de drenagem e à ocorrência de precipitações de grande intensidade.
O Plano Piloto, apesar de possuir muitas áreas verdes, esses espaços não foram e não estão sendo adaptados para reter as águas de chuva. Em toda a cidade, grandes áreas são ocupadas por estacionamentos sem nenhum cuidado em reter as águas. Medidas nesse sentido têm sido adotadas em muitas cidades no Brasil e no Mundo, mas não em Brasília. Os estacionamentos do Estádio Mané Garrincha são os maiores responsáveis pelos alagamentos das quadras do trecho 1 e 2.
Muitos prédios são construídos sem levar em conta que eles precisam estar em harmonia com as águas de chuva. É comum a construção de prédios em depressões ou prédios que impedem o fluxo das águas. Isso se observa na 510 Norte, onde diversos edifícios foram construídos com seu piso térreo mais de um metro acima do nível da Avenida W3, formando uma barreira à passagem das águas, exatamente no trecho da W3 em que há convergência das águas nos dois sentidos — o fundo do vale. Isso também ocorre na UnB, onde o ICC, prédio com centenas de metros de comprimento, foi construído exatamente paralelo às curvas de nível, formando uma barreira à passagem das águas.
É importante destacar que o ICC teve o sistema de drenagem ampliado, com auxílio da Novacap, quando ocorreu o alagamento do ICC em 2009. No entanto, o sistema não é capaz de absorver a água que vem das quadras da Asa Norte, cujo sistema de drenagem também está subdimensionado. Sem múltiplas barreiras, boa parte das águas da área de contribuição acaba chegando no campus e, em seguida, no ICC, escoando pela superfície sem ser captada pela rede de drenagem.
O sistema de drenagem do Plano Piloto, pela época em que foi concebido, seguia critérios de projeto vigentes à época, em que as precipitações de projeto eram calculadas com tempo de recorrência de 5 anos. E o pior, não havia séries de registros de chuvas em Brasília e, portanto, as obras foram projetadas com chuvas de outros lugares. Hoje, o tempo de recorrência utilizado em novos projetos é de, pelo menos, 10 anos. É importante observar que a engenharia admite que o sistema tem uma capacidade limitada de operação e a possibilidade dele não ser capaz de suportar o fluxo das águas nos eventos extremos.
Finalmente, será que os últimos eventos de precipitação foram realmente intensos? Os dados de chuva registrados no prédio SG 12, no Campus Darcy Ribeiro, em 9 de fevereiro mostram que em 30 minutos choveu 70mm, o que representa um tempo de recorrência de cerca de 50 anos. Essa estimativa é baseada em dados de chuva obtidos nas décadas de 1980 a 2000. Diversos estudos em nível mundial têm indicado um aumento da frequência de ocorrência de chuvas intensas utilizadas normalmente em projetos de drenagem: com as mudanças climáticas os alagamentos tendem a ser mais frequentes.
Até onde é do conhecimento geral, o GDF não tem realizado esforços no sentido de utilizar soluções de controle das águas de chuva na fonte, como na maioria das grandes capitais. A grande solução proposta pelo governo é o Projeto Drenar DF. Na Asa Norte, esse projeto prevê obras em duas das três grandes áreas de drenagem. As obras em andamento, mais próximas ao Eixo monumental, melhorarão a drenagem principalmente da área das quadras 1 e 2. O outro conjunto de obras previsto no Drenar DF beneficiará a área do chamado eixo 10-11, que deve melhorar a drenagem da W3 nos trechos próximo à 510 e das quadras 10 e 11 da Asa Norte.
E a UnB? Não há previsão de nenhuma obra no sentido de melhorar a drenagem das quadras a montante do Campus Darcy Ribeiro. Essas águas continuarão a invadir campus e, se não forem construídas barreiras a essas águas, os alagamentos dos prédios continuarão e, provavelmente, com frequência cada vez maior.
*SERGIO KÓIDE, Engenheiro civil pela Universidade de Brasília, especialização em engenharia de terminais e Oleodutos pela Petrobras
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