Os dados da economia mundial devem ser vistos com muita atenção pelo governo brasileiro. Os números captados nos quatro cantos do planeta apontam que um processo de desaceleração da economia está em curso, e isso terá seu preço para o Brasil, que, em 2023, se aproveitou muito dos ventos globais positivos que ainda estavam soprando, o que resultou em um saldo recorde da balança comercial de quase US$ 100 bilhões. Em 2024, certamente, o comércio internacional tenderá a andar a passos mais lentos, reduzindo a força de um dos pilares que sustentaram o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) na casa de 3%.
O nível de atividade nos Estados Unidos, a principal locomotiva do mundo, está fraquejando, o que levou o Federal Reserve (Fed), o Banco Central norte-americano, a sinalizar um possível corte nas taxas de juros nos próximos meses. Nos últimos dias, vários indicadores importantes endossaram esse quadro. A produção industrial registrou queda de 0,3% em janeiro, quando os analistas esperaram alta de 0,2%. As vendas do varejo computaram um tombo ainda maior, de 0,8%. No mercado imobiliário, com peso importantíssimo no PIB do país, tanto as vendas quanto as construções de imóveis despencaram entre 20% e 30% frente ao mês anterior.
O que mais tem perturbado os analistas é que, mesmo com esse enfraquecimento da economia dos EUA, a inflação se mantém resistente e voltou a surpreender para cima. No mês passado, os preços aos consumidores acusaram elevação de 0,3%, acima do projetado pelo mercado (0,2%). Já os preços no atacado saltaram 0,3% ante o 0,1% projetado, com o núcleo da inflação, que desconta fatores atípicos, aumentando 0,6%. Nesse contexto de atividade fraca, mas com custo de vida em alta, o Federal Reserve terá mais dificuldade para calibrar os juros. Havia um quase consenso de que as taxas baixariam a partir de maio, agora, já se discute o início dos cortes em junho. Essa incerteza prejudica, sobretudo, os países emergentes, como o Brasil, que veem os investidores travados num ambiente de riscos consideráveis.
No Reino Unido, a recessão já chegou. O PIB do quarto trimestre de 2023 recuou 0,3%, depois de ter contraído 0,1% entre julho e setembro. No acumulado do ano, a economia britânica avançou apenas 0,1%, nada perto dos 4,3% observados em 2022. No Japão, a atividade também tombou nos três últimos meses do ano passado. A expectativa era de crescimento de 0,2% frente ao trimestre imediatamente anterior, mas houve queda de 0,1%. Na União Europeia, não foi diferente. O PIB caiu 0,1% entre outubro e dezembro últimos, fazendo com que o resultado final do ano tivesse incremento de minguado 0,5%.
O Brasil, ressalte-se, está longe de uma recessão. Mas há um movimento leve de desaceleração em curso. Os sinais do primeiro trimestre são de um PIB melhor que o projetado, mas há preocupações com o restante do ano. Será preciso que o governo mantenha firme o compromisso de ajuste nas contas públicas, permitindo que o Banco Central possa continuar cortando a taxa básica de juros (Selic). Se os gastos federais não saírem do controle, será possível que a autoridade monetária leve a Selic, que está em 11,25%, até 8,75% ao ano em dezembro, um afrouxamento e tanto.
A queda dos juros iniciada no ano passado ainda não teve efeito na atividade. Esse processo leva de seis a nove meses. Assim, espera-se que, no segundo semestre, a política monetária menos restritiva estimule os investimentos e o crédito ao consumo. São instrumentos importantes para manter a roda da economia girando. O governo tem a seu favor a inflação mais baixa. No atacado, são dois meses seguidos de queda dos preços. Ou seja, esse movimento chegará aos consumidores, como se viu nos primeiros meses de 2023. Portanto, paciência e bom senso farão muito bem ao Brasil neste mundo cada vez mais complexo e imprevisível.
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