ARTHUR ITUASSU
Professor associado da PUC-Rio e visitante do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Arizona
Os eventos do último 8 de fevereiro colocam o Brasil no centro do debate sobre a crise da democracia. A vinda a público de provas de que o governo Bolsonaro tramou para permanecer no poder independentemente dos resultados das urnas mostra que chegamos muito perto dos limites de uma ruptura institucional, a ponto de termos um incumbente propondo, aos seus ministros, uma virada de mesa no contexto das eleições de 2022, com apoio de altas patentes militares.
Os principais índices que medem o estado da democracia no mundo apresentam um cenário bastante negativo. O relatório anual A liberdade no mundo, produzido pela instituição americana Freedom House, mostra 17 anos de declínio democrático, iniciados em 2006. No relatório de 2023, o instituto afirma que as causas principais dos declínios democráticos nesse período foram as guerras, os golpes e os ataques às instituições por presidentes eleitos.
O Estado global da democracia, do Instituto Sueco para Democracia e Assistência Eleitoral, aponta para uma década de deterioração. Para o instituto, nesse período, o número de países se movendo em direção ao autoritarismo foi mais do que o dobro de países rumando no sentido oposto, ou seja, se democratizando. No último relatório, de 2022, o instituto sueco destaca seis casos com retrocesso democrático severo: Brasil, El Salvador, Hungria, Polônia, Índia e Estados Unidos.
O Instituto Variedades da Democracia, também sueco, trabalha com mais de 30 milhões de dados coletados de mais de 200 países desde 1789, envolvendo mais de 4 mil pesquisadores. O instituto produz o índice V-Dem, que mede o estado da democracia a partir de centenas de atributos sobre o regime, de modo a dar conta da pluralidade de significados envolvendo o termo "democracia".
Segundo o V-Dem, o mundo hoje tem mais "autocracias consolidadas", o pior estado na escala do instituto, do que democracias liberais pela primeira vez em mais de 20 anos. Enquanto 13% da população mundial viveriam, em 2022, em democracias liberais, 28% estariam sujeitas a um regime político de autocracia consolidada.
Na América Latina, o Instituto Latinobarómetro mede o apoio à democracia na região desde 1995. Diferentemente dos outros índices apresentados, o Latinobarómetro pergunta ao cidadão o que está achando da democracia e das instituições e já fez mais de 470 mil entrevistas em todos os países do subcontinente desde que começou os trabalhos há quase 30 anos.
Segundo o Latinobarómetro, estamos no patamar mais baixo de apoio à democracia na América Latina desde o início da medição, quando menos da metade dos entrevistados na região concordam com a afirmação de que "a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo". O último relatório do instituto mostra um apoio à democracia de 32% em Honduras, 29% na Guatemala, 35% no México, 37% no Equador, 40% no Paraguai, e 46% no Brasil e em El Salvador. Na Colômbia, 48%, no Peru, 50%, na Bolívia, 51%, no Chile, 58%, na Argentina, 62% e no Uruguai, 80%.
Historicamente, o apoio à democracia no Brasil não ultrapassa muito os 50%. Segundo os dados do Latinobarómetro, chegou a 55% em 2009, mas caiu a 32% em 2016 e estava em 34% em 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito.
Em suma, não há dúvidas de que a democracia se encontra em crise, em especial quando se compara o contexto atual com o do pós-Guerra Fria. Naquele momento do "fim da história", de Francis Fukuyama, a maior parte dos países se movia em direção à democratização, inclusive o Brasil. Além disso, é inquestionável que o Brasil é um dos casos principais na crise global da democracia e os eventos atuais só corroboram essa perspectiva. Nesse contexto, todas as pesquisas clamam que não basta defender o regime democrático, é preciso também urgentemente aprimorá-lo.
Se do lado da oferta no mercado político temos variados tipos de radicais que, com o apoio das mídias digitais, alcançam sucesso eleitoral, do lado da demanda está o cidadão desencantado. Na América Latina, o sentimento se expressa no fato de que, entre 2018 e 2022, 76% das eleições de nível nacional disputadas na região foram vencidas pela oposição. Ou no aumento dos protestos de massa, que passaram de 44, entre 2013 e 2016, para 71, entre 2017 e 2020. Segundo o Latinobarómetro, somente 28% dos latino-americanos estão "satisfeitos com a democracia". No Brasil, esse índice é de 31%.
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