Tributos

MP da reoneração muda regras e atinge setor castigado pela covid

Os dados comprovam a efetividade do Perse: o setor de eventos foi o maior gerador de empregos em 2023, com um crescimento de 46,6%, segundo números do IBGE e do Ministério do Trabalho

Setor de eventos projeta retomada tímida para este fim de ano. O começo de 2022 também garante aquecer economia com destaque em eventos corporativistas -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Setor de eventos projeta retomada tímida para este fim de ano. O começo de 2022 também garante aquecer economia com destaque em eventos corporativistas - (crédito: Arquivo Pessoal)

GUILHERME STUMPF
Advogadoo

O governo federal editou medida provisória (MP 1.202/2023) para compensar renúncias tributárias variadas e recuperar a base de arrecadação, em uma tentativa de cumprir a meta de zerar o deficit primário em 2024. Além da reoneração da folha de pagamento, a MP também prevê uma série de restrições à compensação tributária de empresas, bem como a retirada dos incentivos fiscais ao setor de eventos.

Voltemos duas casas. O incentivo fiscal ao setor de eventos foi instituído pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), mediante projeto de lei de 2020. Àquela altura, o setor de eventos vinha sofrendo fortes restrições ao exercício de suas atividades, por conta da pandemia de covid-19. A própria Portaria nº 20.809, do Ministério da Economia, colocou o setor como um dos mais atingidos após a decretação do estado de calamidade pública.

Segundo dados da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), 10 mil empresas encerraram as atividades durante a pandemia, número correspondente a 1/3 do total. A restrição das atividades, aliada ao fechamento de vários negócios, resultou na demissão de 450 mil pessoas.

O Perse surgiu para garantir a capacidade econômica desses agentes empresariais, possibilitando uma tomada de crédito e a manutenção de empregos. Entre os incentivos, estava a redução a 0%, por 60 meses, das alíquotas de PIS/Pasep, Cofins, CSLL e IRPJ.

Com a edição da medida provisória, a partir de 1º de abril, as empresas do Perse voltam a recolher CSLL, PIS e Cofins, e, a partir de 1º de janeiro de 2025, voltam a pagar o IRPJ. Ocorre que tal medida golpeia frontalmente o planejamento das empresas do setor, que não é limitado a shows e apresentações artísticas, sendo composto também pela rede de hotelaria, de transportes por fretamento, além de bares e restaurantes.

De acordo com dados do Sebrae, o setor de eventos é responsável por R$ 209,2 bilhões em faturamento, gerando 2 milhões de empregos direta e indiretamente, recolhendo R$ 48 bilhões em impostos, o que demonstra sua importância para a economia nacional. Muitas dessas empresas adquiriram dívidas — algumas com o próprio poder público — ou tomaram empréstimos para garantir a sua capacidade de pagamento. Algumas dessas dívidas foram tomadas para o pagamento à União em 12 anos, com a expectativa de cinco anos de isenção fiscal pontual, garantindo a recuperação econômica.

Os dados comprovam a efetividade do Perse: o setor de eventos foi o maior gerador de empregos em 2023, com um crescimento de 46,6%, segundo números do IBGE e do Ministério do Trabalho. Muitos sustentam que a revogação do programa é urgente e necessária, considerando se tratar de uma medida emergencial que não pode ser perenizada. Tal argumento é falacioso, uma vez que o próprio desenho do projeto previu um prazo certo para o fim da isenção: 31 de dezembro de 2026. Ninguém pretende transformar em definitivo algo temporário. Apenas se deve garantir aos empresários do setor, em observância à previsibilidade, os benefícios que por lei lhe foram assegurados.

A Constituição da República determina que o Estado brasileiro atue como agente normativo e regulador, tendo como uma de suas funções o planejamento. Além disso, deve atuar sempre de boa-fé, resguardando a segurança jurídica. Tanto é assim, que o Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado e refletido na Súmula 544,  de que a isenção tributária, concedida por prazo certo e mediante atendimento de determinadas condições, gera direito adquirido ao contribuinte beneficiado. Tal entendimento se encontra em consonância com o que dispõe o art. 176 do Código Tributário Nacional.

Em outras palavras, após a concessão do benefício, verifica-se uma impossibilidade de revogação da medida pelo ente tributante antes do prazo determinado. No caso específico do Perse, houve a garantia de manutenção da isenção à empresa beneficiada, em decisão liminar da 7ª Vara Cível de São Paulo.

É inadmissível que empresas pertencentes a um setor fortemente atingido por medidas do próprio poder público, ainda que em um momento de exceção, programem-se, planejem-se e estruturem-se para um período de cinco anos de isenção de alguns tributos e sejam surpreendidas com a redução do prazo que lhes foi garantido.

Houve o ajuizamento no Supremo Tribunal Federal de uma ação direta de inconstitucionalidade, distribuída à relatoria do ministro Cristiano Zanin, que, entre outros tópicos, questiona a revogação do Perse. Caberá, agora, ao Poder Judiciário agir para garantir a proteção da confiança daqueles que, de boa-fé, acreditaram nos incentivos garantidos pela União e viram a regra do jogo ser alterada no meio da partida.

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 07/02/2024 06:00
x