Sustentabilidade

2024, sob o signo do aleatório. Crise do agro europeu rumo a lugar nenhum

Enquanto isso, países relevantes da comunidade europeia turbinam práticas protecionistas contra o agro-tropical, atuando de braços dados com o preservacionismo radical, que combate qualquer racionalização progressista do modelo produtivo, especialmente na Amazônia

 07/11/2013. Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Unaí - MG. Ema atravessa área de plantação de soja com seus quatro filhotes, na Serra do Rio Preto, próximo a região de Unaí.
       -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB)
07/11/2013. Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Unaí - MG. Ema atravessa área de plantação de soja com seus quatro filhotes, na Serra do Rio Preto, próximo a região de Unaí. - (crédito: Marcelo Ferreira/CB)

FERNANDO BARROS, jornalista, especialista em comunicação estratégica; diretor executivo do Instituto Fórum do Futuro

Mal começa e 2024 prenuncia recordes estonteantes: de temperatura, de desgoverno, de disfuncionalidade e de descasamento crescente entre racionalidade e processos decisórios. Sob o signo da paixão, os agricultores europeus colocam os tratores na rua contra normas ambientais destinadas a conter as mudanças climáticas, como se uma atividade dependente do clima sobrevivesse sem ciência e regulação.

Enquanto isso, países relevantes da comunidade europeia turbinam práticas protecionistas contra o agro-tropical, atuando de braços dados com o preservacionismo radical, que combate qualquer racionalização progressista do modelo produtivo, especialmente na Amazônia. Um e outro seguem erguendo bloqueios táticos ao direito e ao dever do agro-tropical de existir e de garantir a segurança alimentar global.

Por caminhos insólitos, a polarização aciona o bumerangue da miséria social e ambiental: as dezenas de milhões de produtores da região hoje excluídas do mercado, da ciência e da tecnologia, ou retornam à Europa e aos Estados Unidos (EUA) sob a forma de hordas migratória famélicas, ou ficam em seus territórios resignados à tarefa de desmatar e degradar o patrimônio natural como forma de sobrevivência.

É o efeito bumerangue: se correr, o clima pega; se ficar, a miséria come. A ideologia pode até vencer uma etapa, ocupar um fotograma, mas o filme da crise ecológica é muito maior do que o da geopolítica. Perdidas no debate raso, as Nações Tropicais seguem o vaticínio de manada. Ou, como pontua o consultor Mário Salimon: "quem não tiver estratégia será inevitavelmente agente da estratégia de outrem".

Em ano premiado com cerca de 50 eleições em todo o planeta, o diálogo propositivo é quase inexistente. A visão de curto prazo (a da próxima safra, do próximo voto...) é apenas contra ou a favor e quase sempre compromete caminhos estruturantes. No Sul e no Norte global, sobram atores políticos na defesa de pautas imediatistas e faltam lideranças conectadas com os desafios reais. Somos cada vez mais seres passionais diante de complexidades lógicas cada vez gigantescas.

Na prática, ou Europa e os EUA agem para conter a desagregação das sociedades tropicais ou vão conviver com a miséria alheia importada. No tênue equilíbrio contemporâneo, o esfacelamento dos Estados, seja no Equador ou no Sahel, desaba ato contínuo sobre Washington e Paris, com força para debilitar a governança mundial, escalar conflitos.

Oportunidades existem. Para os povos tropicais, a grande maioria concentrada no agro. Ajax Banga, presidente do Banco Mundial, adverte: "Nas nações mais pobres, é preciso produzir renda e empregos dignos e sustentáveis". Como pacificar esse caminho sem organismos internacionais fortes, sem a participação da visão da ciência, sem uma perspectiva multipolar de gestão de pessoas e processos?

Os recursos naturais agora são bens raros. O modelo europeu não consegue resolver nem a segurança alimentar da França, o que dirá das 2 bilhões de bocas que até 2050 se somarão às 8 bilhões atuais, das quais 850 milhões dormem, hoje, com fome todas as noites.

O custo do "novo normal" não nasce de uma escolha ideológica, mas, sim, de uma equação técnica. A um só tempo temos: a população de países ricos que impõe normas para obter um alimento melhor para a saúde; bilhões de seres humanos que comemoram a chance de finalmente ter acesso a proteínas de origem animal; um crescimento demográfico da ordem de 200 mil pessoas/dia; mudanças drásticas no regime climático.

Nesse quadro, definir se o alijamento dos povos tropicais da oportunidade de um trabalho digno é, ou não, um crime contra os direitos humanos universais é mera discussão semântica. Essa realidade complexa exige um novo pacto civilizatório. Como produzir mais e melhor, garantir a sustentabilidade e reduzir a desigualdade social?

Nas crises, surgem novas lideranças. E o Brasil pode trazer uma boa notícia também nessa área. O empresário do mundo da soja, Cesar Borges de Sousa, está reunindo pesquisadores, produtores, gestores e comunicadores em sua Rede Soja sustentável — O Planeta e as pessoas em primeiro lugar. Já no primeiro evento, convoca o debate sobre a convivência entre soja e abelhas — algo tecnologicamente possível e estrategicamente necessário. "Produzir com mais sustentabilidade e interação com a sociedade não é sonho: é um imperativo do nosso tempo", afirma. O ano de 2024 vai marcar nossas vidas. Vai surpreender?

 

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postado em 06/02/2024 06:48 / atualizado em 06/02/2024 06:48
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