Perguntaram a um engenheiro, a um biólogo e a um economista como transportar um elefante do cais a um navio. Enquanto o engenheiro fazia cálculos envolvendo roldanas e alavancas, o biólogo procurava maneiras de proteger o animal; o economista elaborou, para iniciar seu raciocínio, uma hipótese heroica de que o elefante não tinha peso. Desde "A Riqueza das Nações", economistas ressaltam os benefícios da coordenação social pelo mercado. No entanto, a coordenação pelos mercados tem limites e a não compreensão desse fato tem seguidamente levado a humanidade a erros graves, como o caso do aquecimento global. O Prêmio Nobel Nordhaus afirmou: "O progresso técnico e o aquecimento global são uma externalidade global ou um bem público global. Ambos envolvem ciência e tecnologia, e ambos envolvem a incapacidade dos mercados privados em fornecer uma alocação eficiente de recursos".
Intervenções estatais na regulação dos mercados, taxação e direcionamento das trajetórias tecnológicas são importantes instrumentos para superar os limites do mercado e evitar que torremos no inferno. A Nova Indústria Brasil (NIB) tem metas ambientais ambiciosas. Propõe a redução de 30% das emissões de carbono até 2033 e a ampliação de 50% do uso de biocombustíveis na matriz do transporte. A indústria será o ator transformador em todos os cinco objetivos específicos da missão relacionada ao meio ambiente e isso não se dá à toa.
O Grupo de Indústria e Competitividade do IE-UFRJ, usando matriz insumo-produto, calculou os principais setores emissores de carbono por unidade de valor adicionado diretamente ou por intermédio da cadeia produtiva. Emissões podem ser feitas em um setor não industrial, mas que pertence a uma cadeia produtiva que tem como centro dinâmico atividades industriais. Assim, como a agropecuária é comandada pela indústria de proteínas, a redução da emissão de transportes terrestres passa por desenvolvimentos tecnológicos que pertencem à indústria automobilística ou à indústria de máquinas e equipamentos.
Um exemplo é a proposta de intensificação do uso de biocombustível, um dos principais condutores da redução das emissões. A liderança brasileira na produção de biocombustíveis e sua especificidade em relação a outras trajetórias tecnológicas adotadas mundialmente, como o carro elétrico, requerem rotas tecnológicas próprias que podem ser mais eficientemente tratadas a partir da coordenação do Estado. A NIB propõe direcionar recursos não reembolsáveis e reembolsáveis à inovação. Isso ocorre por duas razões: (i) o conhecimento usado na inovação tem características de bem público; e (ii) a direção do progresso técnico define trajetórias que podem ter alta irreversibilidade.
No caso das tecnologias intensivas em carbono, decisões passadas criaram uma rede de suporte que faz a alteração de rotas hoje muito mais custosa. A existência de um agente coordenador é importante. O Estado tem e deve ter o poder regulador para garantir que os princípios de sustentabilidade sejam alcançados. O uso dos instrumentos de oferta, conjugado à força de seu poder de compra e à regulação, é central para garantir o cumprimento das metas de redução da emissão.
A NIB propõe também a criação do mercado de carbono como uma aposta na coordenação pelo mercado, precificando emissões, estabelecendo cotas reduzidas ao longo do tempo e permitindo o comércio de créditos para alcançar uma alocação mais eficiente. Contudo, mesmo nesse caso é necessária a criação institucional do mercado pelo Estado.
Economistas conservadores, usando análises custo-benefício e utilizando taxas de desconto padrão, concluem ser mais vantajoso não tratar o problema e deixar o planeta aquecer. Argumentam que a taxa de desconto do futuro definida pelo mercado é mais correta do que aquela utilizada por governos, ONGs e ativistas. Não há padrão ético para justificar taxas de desconto do consumo de indivíduos em vez de prezar pelo bem-estar de futuras gerações. Mercados não podem ser a referência aqui. Utilizar pesos e contrapesos, transparência e eficiência são elementos importantes de uma boa gestão pública. A inação, não. Pela primeira vez, temos uma política de produção que trata com seriedade a questão ambiental. É importante que a NIB tenha como objetivo central mitigar os impactos ambientais e evitar que o peso do elefante esmague futuras gerações.
CARLOS FREDERICO ROCHA Ex-reitor da UFRJ e diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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