» ANDREY LEMOS, historiador, mestre em políticas públicas de saúde
Em meio a um janeiro chuvoso, num domingo que amanheceu ensolarado mesmo com o termômetro medindo 22ºC, fui conferir Makeda — O Musical. Encenado no Teatro do Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, fui conferir junto com um amigo jornalista, Pedro Lemos, com quem dividi a iniciativa de aproveitar o bom clima dominical e ir assistir ao espetáculo.
Fomos recebidos pela produção — que nos convidou para esse dia — e, ao entrar no teatro, encontrei várias pessoas queridas e admiradas, negras e não negras. Eu, até então, muito animado com aquele ambiente tão acolhedor, nem imaginava o que estava por vir.
Quando o musical iniciou, ao som de muitas crianças sendo crianças, nos sentimos integrados a um ambiente encantado pela infância. A obra do jovem e talentoso diretor Allex Miranda traz como pano de fundo o desafio de um trisavô em educar sua neta de 10 anos. O musical acontece em meio a brincadeiras, diálogos afetuosos cheios de ensinamentos e muita imaginação que, ao fim, nos envolvem no nosso legado ancestral, rodeado de amor, representatividade, luta e reconhecimento.
Sendo um homem preto e educador, comecei a me emocionar com a narrativa que valoriza os nossos griôs e as nossas infâncias, que nos dá a possibilidade de aprender e nos fortalecer a partir da nossa ancestralidade. O trisavô Noé e sua neta (Makeda), estabelecem, a partir do amor mútuo, uma conexão com nossos valores ancestrais, levando o público a uma viagem em alto-mar, revisitando esse processo diaspórico, entendendo ser muito mais interessante aprender com o abebé de Oxum do que com o espelho de Narciso.
A trilha sonora do musical é um ponto alto ao trazer, dentro da musicalidade negra, a nossa diversidade, com rap, ijexá, xote, baião, reconhecendo a história e a contribuição do nosso povo à nossa identidade cultural. Essa riqueza fortalece nosso pertencimento e nos faz pensar na importância de nos aquilombarmos e nos reposicionarmos para identificar soluções para nossos problemas, de forma lúdica.
O musical nos transporta pela história de povos, reinos, lideranças masculinas e femininas, expressando nossa descendência de reis e rainhas, explicando que nosso cabelo é a representação da nossa coroa, dilacerada no processo da escravidão. Assim é e devemos ter orgulho dos nossos traços, que nos ligam principalmente com a beleza, a sabedoria e todo o conhecimento que herdamos dos nossos povos africanos.
Da rainha das águas doces, do deserto, das tempestades e dos oceanos, passando por personagens do arauto, do rei em conflito com seu povo, do velho sábio ou preto-velho, e da neta cheia de inteligência e coragem, a peça tem como assistente de direção Fernanda Dias. O espetáculo devolve para o público, numa provocação por meio do Abebé de Oxum, o nosso empoderamento, para seguirmos lutando pela liberdade que está em nós, e que deve ser consolidada pela pertença, pois quando sonhamos juntos, realizamos muito mais.
Espero que esse texto e o sucesso da peça possam estimular o poder público a investir mais na arte e na cultura que conta nossa história, e que as ações afirmativas continuem cumprindo seu papel de valorizar a diversidade e educar para o respeito às diferenças.
O espetáculo é para todes, pessoas negras e não negras, e traz a influência do Teatro Experimental do Negro de Abdias do Nascimento. Um brilhante e ousado figurino, a trilha sonora, um conjunto que homenageia toda nossa arte popular brasileira, empoderando nossas crianças, reforçando a representatividade e educando adultos para uma reflexão antirracista.
Parabéns ao elenco e à equipe de produção, ao CCBB de Brasília que abre este espaço. Que bom que a Lei Rouanet voltou e que o Ministério da Cultura e o Ministério da Igualdade Racial seguem de mãos dadas para promover equidade na arte e para o povo!
Makeda é legado, ancestralidade, identidade e pertencimento, é política, fé, educação, criatividade, coragem, conhecimento, valorização da natureza, da diversidade, do feminino e da humanidade. É a sabedoria dos mais velhos que secularmente vem protegendo nossa cultura e identidade, resguardando princípios, tecnologias e símbolos. Makeda, ao apontar caminhos para nossa existência e continuidade, é afrofuturo.
Modupé, Allex Miranda. Modupé a toda equipe de direção, elenco e produção, a todes que seguem atendendo o chamado da nossa ancestralidade, ampliando conquistas dos nossos movimentos sociais negros, a todes que vieram antes e nos trouxeram até aqui. Feliz em viver para ver a nossa arte trazendo possíveis princesas negras do lado de cá. Axé e vida longa à Makeda, A rainha da Arábia feliz — O Musical.
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