EMPREGO

A determinação da discriminação salarial: regras inviáveis

O maior de todos os problemas diz respeito à obrigatoriedade de as empresas publicarem o relatório do MTE no próprio site no qual serão indicadas as diferenças salariais e remuneratórias do seu pessoa

opiniao 0202 -  (crédito: Caio Gomez)
opiniao 0202 - (crédito: Caio Gomez)

JOSÉ PASTORE, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo aposentado; presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP; e membro da Academia Paulista de Letras

Ao regulamentar a Lei nº 14.611/2023, que trata do combate à discriminação salarial e remuneratória entre gêneros, raça, etnia, origem e idade, o Poder Executivo publicou o Decreto nº 11.795/2023 e a Portaria MTE nº 3.714/2023 que estão dando uma grande dor de cabeça para empregadores, empregados e profissionais de recursos humanos (RH). São inúmeros os pontos obscuros. Entre eles, cito os seguintes:

As empresas com mais de 100 empregados terão de fornecer dados sobre salários, gratificações, adicionais (legais e negociados), hora extra, 13º salário etc. para o Ministério do Trabalho e Emprego elaborar um relatório que servirá de base para se decidir se há ou não desigualdade ou discriminação entre cargos com base na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Ocorre que essa publicação trata predominantemente de profissões e ocupações. Raras são as referências entre cargos. E, mesmo assim, as indefinições são enormes. Por exemplo, qual é a diferença de hierarquia (e de salários) quando a CBO se refere a "chefe de manutenção eletromecânica", "coordenador técnico de eletromecânica", "encarregado de turnos de eletromecânicos", "mestre de manutenção eletromecânica" e "supervisor de manutenção eletromecânica"?

Essas indefinições podem levar a decisões equivocadas. As empresas serão multadas ou obrigadas a fazer um plano de correções se os salários entre essas funções forem diferentes? E se, na mesma função, houver diferenças de formação profissional e experiência de trabalho? As empresas serão punidas se fixarem salários diferentes para atender a essas peculiaridades?

O mais intrigante é que o decreto e a portaria estabelecem que o relatório sobre igualdade e discriminação será elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Se essas questões são indecifráveis para os profissionais de RH das empresas, o que dirá para os técnicos do MTE que estão distantes do processo produtivo?

Um outro ponto de extrema complexidade diz respeito à quantidade de relatórios a serem elaborados. A portaria fixa a necessidade de um relatório para cada CNPJ. Isso significa que uma empresa comercial que tenha 5 mil filiais no Brasil terá de coletar e enviar ao MTE os dados referentes às 5 mil lojas. E quando houver diferenças de tamanho e complexidade entre as filiais, será discriminatória a fixação de salários diferentes para os seus chefes ou gerentes?

Mas o maior de todos os problemas diz respeito à obrigatoriedade de as empresas publicarem o relatório do MTE no próprio site no qual serão indicadas as diferenças salariais e remuneratórias do seu pessoal. Isso não tem cabimento. As políticas de recursos humanos, salários e gratificações são confidenciais e devem ser preservadas até por força de leis. Essa exigência expõe as empresas a riscos de reputação e de imagem que não podem ser reparados depois de veiculados nos seus sites e, quem sabe, até nas incontroláveis redes sociais.

Será que o governo quer expor, deliberadamente, as empresas a todos esses riscos? Não entendi o propósito de uma regulamentação tão complexa e tão pouco viável. Lembro-me de um amigo senador que diz: "A regulamentação de uma lei é a oportunidade que os burocratas têm para se vingar dos legisladores".

Sugiro ao MTE que medite bem e discuta bastante essas propostas com as partes interessadas — empregadores, empregados e profissionais de RH para evitar agravar ainda mais a enorme insegurança jurídica que domina a área trabalhista.

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postado em 02/02/2024 06:00
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