Educação

O novo Plano Nacional de Educação e seus desafios

A ausência de responsabilização no alcance de suas metas pelos entes federados, enfraquece substancialmente o seu papel político de indutor de qualidade no sistema público de ensino

Opinião 0102 -  (crédito: Caio Gomez)
Opinião 0102 - (crédito: Caio Gomez)

MOZART NEVES RAMOS, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE

Analisando as 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE) que se conclui agora em 2024, verifica-se que a grande maioria delas não foi alcançada. Isso não pode ser atribuído à pandemia, que naturalmente ampliou as dificuldades inerentes ao processo. Na nossa avaliação, isso é o resultado de um conjunto de fatores, tais como ausência de responsabilização entre os entes federativos, maior participação social no acompanhamento de sua execução, ausência de um sistema nacional de educação, e de um financiamento adequado às metas estabelecidas com melhor uso dos recursos públicos.

É indiscutível o importante papel que o PNE exerce na política pública de educação em nosso país. Mas, a ausência de responsabilização no alcance de suas metas, pelos entes federados, enfraquece substancialmente o seu papel político de indutor de qualidade no sistema público de ensino. Como exemplo, gostaria de citar a não universalização das matrículas de 4 a 17 anos em 2016. Tomando como referência o ano-base de 2013 deste PNE (2014-2024), o Brasil tinha 88,7% de sua população de 15 a 17 anos na escola. Ao chegar a 2016, o país deveria alcançar a universalização dessa faixa etária à escola, em decorrência da Emenda Constitucional nº 59/2009, que determinou o fim gradual da incidência da Desvinculação de Receitas da União (DRU) sobre os recursos federais para a educação até a extinção do mecanismo, em 2011. Em contrapartida, o país deveria, com os recursos que seriam destinados à DRU, universalizar o acesso à escola para toda a faixa etária de 4 a 17 anos até 2016. Olhando para o recorte de 15 a 17 anos de idade - relativo à meta 3 deste PNE, houve um crescimento muito tímido, de apenas 2,1%, de 2013 a 2016. Portanto, o Brasil não alcançou a meta estipulada no PNE. Mesmo considerando o ano de 2021, o país ficou distante da chamada universalização, com 95,3%. A própria Constituição não foi cumprida, e a quem coube este não cumprimento? Este é o ponto, e assim com as demais metas não cumpridas.

Notadamente, isso joga maior pressão ao próximo PNE 2024 — 2034, que, na minha opinião, deve responder a essa questão da responsabilização e trazer maior atenção à aprendizagem dos estudantes e à redução das desigualdades. O novo PNE encontra-se em processo de construção e está fundamentado em sete eixos, a saber:

Eixo I – O PNE como articulador do Sistema Nacional de Educação (SNE), sua vinculação aos planos decenais estaduais, distrital e municipais de educação, em prol das ações integradas e intersetoriais, em regime de colaboração interfederativa;

Eixo II – A garantia do direito de todas as pessoas à educação de qualidade social, com acesso, permanência e conclusão, em todos os níveis, etapas e modalidades, nos diferentes contextos e territórios;

Eixo III – Educação, Direitos Humanos, Inclusão e Diversidade: equidade e justiça social na garantia do Direito à Educação para todos e combate às diferentes e novas formas de desigualdade, discriminação e violência;

Eixo IV – Gestão Democrática e educação de qualidade: regulamentação, monitoramento, avaliação, órgãos e mecanismos de controle e participação social nos processos e espaços de decisão;

Eixo V – Valorização de profissionais da educação: garantia do direito à formação inicial e continuada de qualidade, ao piso salarial e carreira, e às condições para o exercício da profissão e saúde;

Eixo VI – Financiamento público da educação pública, com controle social e garantia das condições adequadas para a qualidade social da educação, visando à democratização do acesso e da permanência;

Eixo VII – Educação comprometida com a justiça social, a proteção da biodiversidade, o desenvolvimento socioambiental sustentável para a garantia da vida com qualidade no planeta e o enfrentamento das desigualdades e da pobreza.

No meu entendimento, estes sete eixos precisam estar a serviço de nossos estudantes, enquanto beneficiários maiores da oferta educacional em nosso país. É impensável chegar em 2034 com os números atuais da aprendizagem escolar, em que de cada 100 alunos concluintes do ensino médio apenas cinco aprenderam o que seria esperado em matemática. No ensino superior, de cada 100 ingressantes no sistema apenas 41 concluem o curso universitário. Uma ineficiência absurda, com perdas catastróficas de dinheiro público e de recursos humanos para o desenvolvimento do país.

Que estes sete eixos estejam sintonizados com o artigo 205 da Constituição Federal "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Ou seja, precisamos oferecer uma educação integral em tempo integral em colaboração com a sociedade com vistas à preparação para o exercício da cidadania e à qualificação para o mundo do trabalho.

Não podemos esquecer que este novo PNE está sendo gerado em um cenário disruptivo, que vai exigir novas competências das pessoas para tais fins, em um ambiente em que as tecnologias estão fortemente influenciando nossa forma de viver e de ser, como é o caso do ChatGPT.

Muito dinheiro está sendo gasto com as inúmeras reuniões de mobilização na construção deste novo PNE. É preciso que as pessoas que estão liderando este processo olhem para onde aponta o farol, e não se prendam ao retrovisor. Assim cabe à sociedade estar atenta ao que vai ser construído para o bem de nossas crianças e jovens.

 


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postado em 01/02/2024 06:00
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