Economia

Os equívocos das projeções econômicas de 2023

Como a dinâmica político-econômica do cenário internacional é uma variável exógena, centremos as atenções nos pontos fiscal e monetário

FERNANDO FERRARI FILHO, professor titular aposentado da UFRGS

MARCO FLÁVIO DA CUNHA RESENDE, professor titular da UFMG e pesquisador do CNPq

Após as eleições presidenciais de 2022, em que o país saiu politicamente dividido, a maioria das entidades empresariais e dos economistas do mercado projetava o colapso da economia brasileira no primeiro ano do governo Lula III. As projeções econômicas previam que o PIB continuaria estagnado, o IPCA fecharia o ano acima da meta inflacionária, o desemprego aumentaria, o câmbio seria desvalorizado, a Selic manter-se-ia em 13,75% ao ano, ou até subiria, e a relação dívida pública bruta/PIB estaria próxima a três dígitos.

Passados 12 meses, os referidos indicadores foram os seguintes: o PIB acumulado em quatro trimestres, tendo como referência o terceiro trimestre do ano, cresceu 3,1%; o IPCA fechou o ano em 4,62%; a taxa de desemprego trimestral — período setembro-novembro — foi de 7,5%; a taxa de câmbio ao final de dezembro fechou em R$ 4,85/US$ 1,00; a taxa básica de juros caiu para 11,75% ao ano — ainda elevada, diga-se de passagem, devido ao conservadorismo do Banco Central do Brasil (BCB) — e a dívida pública bruta, resultado para outubro, atingiu 74,7% do PIB. Enfim, os resultados dos indicadores macroeconômicos contrariaram as projeções econômicas pessimistas.

Ademais, se não bastassem os equívocos das referidas projeções, o governo conseguiu a aprovação no Congresso Nacional, mesmo tendo minoria parlamentar, do Regime Fiscal Sustentável (RFS), que assegura a sustentabilidade intertemporal da dívida pública, e da reforma tributária. Consequentemente, não somente o mercado ficou mais otimista com os rumos econômicos do país, bem como algumas agências internacionais de rating elevaram o risco de crédito do Brasil, tornando-o mais próximo da obtenção do "grau de investimento".

Diante do exposto, duas questões: por que as projeções se "equivocaram"? E o que esperar em 2024? Sobre os "equívocos" de previsão, por mais que o futuro seja condicionado por incertezas radicais, conforme afirmava Keynes, não é demais mencionar que análises econômicas têm que ser baseadas na racionalidade teórico-empírica e não no viés político-ideológico, o que, a nosso ver, talvez tenha condicionado aquelas elaboradas ao final de 2022. Mais especificamente, projeções são mais críveis quando baseadas na racionalidade teórico-empírica e, por conseguinte, quem as faz tende a errar menos, pois, en passant, economia, antes de tudo, é uma ciência.

Quanto às perspectivas para 2024, o compromisso do governo em zerar o deficit fiscal, o que restringe os investimentos em programas sociais e, principalmente, em infraestrutura, a queda lenta e gradual da Selic e um cenário internacional menos favorável — política e economicamente — condicionarão a performance da economia brasileira.

Como a dinâmica político-econômica do cenário internacional é uma variável exógena, centremos as atenções nos pontos fiscal e monetário. No que diz respeito à questão fiscal, um novo ciclo de aceleração do crescimento depende da retomada do investimento privado. A confiança em um futuro promissor, requerida para destravá-lo, está relacionada à expectativa da aceleração do crescimento econômico e da estabilização da dívida pública/PIB, sendo que ambos os condicionantes estão conectados. Logo, a dinâmica do crescimento depende de investimentos públicos e da cooperação entre Mercado e Estado. Em suma, política fiscal contracíclica.

Neste particular, o RFS tem forte componente pró-cíclico, visto que a despesa pública somente poderá crescer até 70,0% do aumento da arrecadação, que, por sua vez, caminha pari passu com o aumento do PIB. Soma-se aos efeitos dessa pró-ciclicidade do RFS a meta de deficit zero para este ano, o que levará à necessidade de novas reformas constitucionais para cortar direitos à educação, saúde e previdência públicas.

Quanto à política monetária, é pouco provável que no ano em curso, o BCB, ainda sob a gestão de Roberto Campos Neto, reduza a Selic de forma mais acentuada, o que acaba desestimulando o crédito e os consumo e investimento privados e pressiona o custo financeiro da dívida pública. Enfim, diante do exposto, as expectativas para 2024, sob a ótica produtiva, são crescimento mais moderado e nível de emprego estável.

 


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