A democracia enfrentará seu principal teste neste ano, que terá o maior ciclo eleitoral da história. Mais de 70 países, reunindo metade da população mundial, decidirão, nas urnas, que rumo seguirão. Há uma enorme preocupação em todo o planeta com o forte crescimento de movimentos populistas, sobretudo, o representado pela ultradireita. Integrantes desse espectro político têm incentivado o que há de pior para a humanidade: o ódio, a intolerância, o preconceito, a violência. Com um discurso simplista e de fácil compreensão, travestido de conservador, têm cooptado apoio em todas as camadas sociais. Um perigo.
Na Alemanha, a extrema direita já ostenta entre 23% e 24% dos votos, tendo como principal plataforma a expulsão de todos os imigrantes africanos, inclusive daqueles com nacionalidade. O argumento entoado pelo partido Alternativa para a Alemanha (AfD) é o mesmo usado por Adolf Hitler, de purificação da raça branca. Chama a atenção o grande engajamento de jovens a esse movimento radical. Em Portugal, os grupos extremistas marcaram para 3 de fevereiro uma manifestação contra os estrangeiros de origem islâmica. Nas convocações por meio das redes sociais, os organizadores recomendam aos participantes que levem tochas e chicotes para "queimar e escorraçar aqueles que atentam contra os valores europeus".
A Europa terá, em junho, eleições para o Parlamento. Serão escolhidos 720 representantes dos 27 países que integram a União Europeia. Em nenhum outro momento deste bloco a extrema direita reuniu tanta força para formar uma bancada. Os radicais já assumiram o poder na Itália, na Suécia, na Finlândia e na Holanda. Estão próximos de retomarem o governo da Áustria. Conquistaram espaços importantes na Bélgica e podem surpreender na França. O risco de implosão do bloco construído nas décadas que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial é latente, com os neonazistas ganhando espaço e conquistando corações e mentes.
Nos Estados Unidos, o quadro é semelhante. O republicano Donald Trump tem chances expressivas de retornar à Casa Branca nas eleições marcadas para 5 de novembro. Quem se deu ao trabalho de ouvir os discursos dele nas últimas semanas, em que ele disse que o presidente da República deve ter imunidade para tudo, inclusive para aniquilar seus inimigos, entendeu o caminho que a maior potência global pode seguir caso ele seja eleito. Do outro lado do mundo, sem opositores, Vladimir Putin irá para o quinto mandato, num pleito completamente fake, como se a democracia fosse uma realidade na Rússia.
O Brasil, com as eleições municipais, se insere nesse contexto em que a ultradireita poderá escalar vários degraus no jogo político. O que a maioria dos eleitores decidir para as mais de 5,5 mil prefeituras terá enormes reflexos na disputa presidencial daqui a dois anos. O país já deu claros sinais de que o conservadorismo arcaico se enraizou na sociedade, alimentado pela desinformação. Não tem sido diferente em outras regiões do planeta, que enfrentam o desafio de regular a inteligência artificial, usada para destruir reputações e disseminar o ódio.
Os cerca de 4 bilhões de cidadãos que irão às urnas neste ano enfrentarão eleições marcadas pela transparência, pela coação, pela falta de liberdade e pela ausência de oposição. É fundamental que a maioria democrata prevaleça. Dados mais recentes apontam que, atualmente, há mais autocracias no mundo do que regimes em que as liberdades são conquistas da sociedade. Mais: o ano passado foi de recorde na África em golpes de Estado perpetrados por militares.
Tudo isso comprova que qualquer descuido pode ser fatal para o regime democrático, que, mesmo com todas as suas imperfeições, é o único que garante o poder de escolha a cada um e a liberdade de se expressar e de ir e vir. Que o bom senso seja o grande vencedor neste que será o maior exercício de participação política da humanidade em um único ano.