A transformação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em instrumento político de espionagem contra os poderes Legislativo e Judiciário, para supostamente favorecer interesses políticos do então presidente Jair Bolsonaro, seria um fato muito grave. As investigações da Polícia Federal apontam a existência de uma estrutura paralela no órgão, com utilização dos mais sofisticados equipamentos de monitoramento eletrônico e policiais federais, que estariam sob o comando do então diretor-geral da Abin, delegado Alexandre Ramagem, hoje deputado federal e pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro.
Segundo as investigações, o aparato ilegal de monitoramento político teria produzido cerca de 30 mil operações de vigilância eletrônica, contra aproximadamente 1.500 pessoais, entre as quais ministros do Supremo, parlamentares, jornalistas e dirigentes políticos. As apurações da PF sugerem que a motivação era beneficiar a família Bolsonaro e os aliados do ex-presidente, além de criar falsas narrativas que seriam usadas contra políticos e integrantes da mais alta Corte do país.
Um dos objetivos mais escabrosos era caracterizar infundadas ligações dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes com a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, comandada pelo traficante Marcos Willian Herbes Camacho, o Marcola, preso em regime de Isolamento na Penitenciária Federal de Brasília, na Papuda.
Na quinta-feira, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, que comanda as investigações sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro, foi realizada uma operação de busca e apreensão no gabinete de Ramagem na Câmara e no seu apartamento funcional, em Brasília, além de sua residência no Rio de Janeiro. No gabinete, os agentes encontraram, inclusive, um relatório que tinha informações levantadas pela Abin sobre a atual investigação da PF.
Por se tratar de um deputado federal, a operação gerou protestos do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, os quais não encontraram eco junto aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ambos se opuseram firmemente à tentativa de golpe de 8 de janeiro, que consideram um divisor de águas em relação à solidariedade do Congresso com seus integrantes.
"Os policiais federais destacados, sob a direção de Alexandre Ramagem, utilizaram das ferramentas e serviços da Abin para serviços e contrainteligência ilícitos e para interferir em diversas investigações da Polícia Federal", afirmou o ministro Moraes. Outros sete integrantes da Polícia Federal estão sendo investigados. Na execução de 21 mandados de busca e apreensão, foram apreendidos documentos, celulares, computadores e pen drives que podem gerar novas ações judiciais e abrir outras linhas de investigação.
A investigação também apura a utilização do sistema de inteligência First Mile pela Abin no monitoramento de dispositivos móveis, sem a necessidade de interferência e/ou ciência das operadoras de telefonia e sem a necessária autorização judicial. O referido sistema foi fornecido pela empresa Cognyte Brasil S.A., que registra a localização em tempo real de qualquer pessoa monitorada.
Em se tratando de agentes encarregados da segurança nacional haveria relações com condutas ilegais que atentam contra a soberania nacional, as instituições democráticas, o processo eleitoral e os serviços essenciais, que podem vir a ser caracterizadas no Código Penal como atentado à soberania (art. 359-I), abolição violenta do Estado democrático de direito (359-L), golpe de Estado (art. 359-M), interrupção do processo eleitoral (art. 359-N) e violência política (art. 359-P).