ORLANDO THOMÉ CORDEIRO, consultor em estratégia
A pouco mais de oito meses para as eleições municipais, estamos presenciando a habitual movimentação de pré-candidatos escolhendo as legendas pelas quais concorrerão e costurando suas alianças. E mais uma vez, como parte da nossa trágica tradição política, essas tratativas passam longe de alinhamento em torno de programas de governo.
Sem dúvida, a estrutura partidária vigente e a legislação a ela associada permitem, e até mesmo estimulam, a participação de pessoas em que a motivação principal é ter uma instituição cartorial para chamar de sua. Uma característica marcante na maioria das 29 agremiações atualmente registradas no TSE, independentemente de seu tamanho, é a figura do chamado "dono do partido". Para agravar o cenário, o site da Justiça Eleitoral apresenta uma lista com pedidos em andamento para criação de 25 partidos! É óbvio que tal miríade ultrapassa, e muito, uma real representação de visões ideológicas ou programáticas presentes na sociedade.
Uma das consequências danosas é a contribuição para o crescente ceticismo da maioria da população em relação à atividade política, cada vez mais sendo percebida como uma "ação entre amigos" ou voltada à realização de negociatas. Infelizmente, forma-se um círculo vicioso cuja superação positiva está muito distante.
Apesar disso, a vida segue e, em 6 de outubro, iremos às urnas para definir quem irá exercer mandatos até dezembro de 2028, nas 5.570 prefeituras e câmaras municipais. Quais serão os temas que mobilizarão o interesse do eleitorado brasileiro e que levarão à decisão de voto?
No livro Biografia do abismo, de Felipe Nunes e Thomas Traumann, os autores afirmam que a disputa eleitoral deixou de ser marcada pelo debate sobre questões como Bolsa Família ou privatização da Petrobras para se tornar uma discussão acerca do que será a política de aborto ou de armas. O voto de cada pessoa passa a ser decidido na perspectiva da garantia do que acha que deve ser o certo, da sua visão de mundo.
Essa mudança levou a uma polarização, chamada por eles de "afetiva", com uma disputa entre dois lados mais ou menos do mesmo tamanho e muito consolidada em torno de temas comportamentais do tipo como quero criar meus filhos, onde quero estudar, que restaurantes quero frequentar, que músicas e artistas quero ver e ouvir. Nunes e Traumann acreditam que não se trata de um processo pontual, mas do começo de uma nova etapa em que as preferências políticas estão calcificadas para cerca de 90% do eleitorado brasileiro.
Com base na importante e profunda hipótese apontada no livro, muitos analistas têm considerado que esse será o cenário presente nas disputas de outubro, mas, de meu lado, acho necessário relativizar tal conclusão. O primeiro passo é fazer a segmentação dos municípios pelo tamanho do eleitorado. Segundo dados de dezembro de 2023, a distribuição é a seguinte: 2.998 têm até 10 mil eleitores; 1.268 entre 10 mil e 20 mil; 824 entre 20 mil e 50 mil; 268 entre 50 mil e 100 mil; 112 entre 100 mil e 200 mil; e 100 acima de 200 mil.
Muito provavelmente a polarização estará presente nos grandes centros, em particular nas 212 cidades com mais de 100 mil eleitores, sendo natural que influencie as regiões de seu entorno. É de se esperar que candidaturas de oposição nessas regiões joguem pesado na nacionalização do debate, enquanto as de situação optem por apresentar os resultados de suas gestões como razão para a continuidade.
Por outro lado, as biografias das candidaturas que se apresentarem serão também decisivas para a definição do voto. Ou seja, o eleitor pode até, num primeiro momento, escolher candidaturas a partir de seu lado na polarização, mas somente apoiará nomes que sejam absolutamente alinhados com esse polo. Para candidaturas não reconhecidas como parte legítima desse polo, a conquista do voto terá que passar, necessariamente, por seus outros atributos.
Já no caso dos municípios de menor porte, especialmente nos 4.266 com até 20 mil eleitores, o peso da polarização tende a ser muito menor, com a prevalência das características locais, da história dos candidatos e de sua relação com a população. Nesses locais, a decisão do voto também é perpassada pelo alto grau de fisiologismo, em que a troca de favores é relevante no processo de escolha.
No próximo artigo, no fim de fevereiro, vamos falar da influência cada vez maior das redes sociais no processo político-eleitoral, especialmente com o advento da inteligência artificial. Como fazer um bom uso, garantindo a lisura do processo? Até lá!