» Patrícia Boson, membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME) e do Conselho Nacional do Meio Ambiente
Paulo Delgado, em seu artigo Escritores e a política internacional (Estado de Minas, 14/01) expõe importante questão nacional: "Nossos piores males são as escolas e a política, onde nossos professores e líderes ensinam sem aprender". Claro, acrescento, com raras e boas exceções. A sentença me inspira a apontar equívocos de uma política pública fortemente apoiada pela mídia. Falo do calendário de aumento do percentual do biodiesel no diesel, em nome da nossa contribuição para a transição energética. Como não acredito em má-fé, ao menos na maioria dos defensores dessa pauta atribuo o equívoco ao desconhecimento ou ao não aprendizado de questões básicas, como a definição do biodiesel no Brasil.
Em norma nacional, o biodiesel é composto de alquil ésteres de ácidos carboxílicos de cadeia longa. Nenhuma outra rota tecnológica pode ser caracterizada como biodiesel (no Brasil, destaco). Qualquer outra rota tecnológica é caracterizada como biocombustível, mas não como biodiesel. Biodiesel é, e somente é, se de base éster.
Essa questão, por si só, incita indagações. Eis que se vale de um conceito amplo para biodiesel: todo biocombustível derivado de biomassa utilizado em motores de ciclo diesel é biodiesel (Lei nº 11.097/05). Assim, a diminuição progressiva do uso do diesel (fóssil), que qualquer cidadão preocupado com a temática das mudanças climáticas quer, poderia se dar por meio do aumento percentual, por exemplo, do diesel verde ou do diesel renovável. Interessante comentar que a mesma agência, a ANP, que limitou a definição do biodiesel a uma única rota tecnológica inclui cinco opções de tecnologia de produção do diesel verde, tal como o HVO — hydrotreated vegetable oil, ou óleo vegetal hidrotratado.
Esse aprendizado — o conhecimento de que o biodiesel não compreende mais de uma rota tecnológica de biocombustível — é da maior importância, pois esclarece o posicionamento, a favor do meio ambiente, daqueles que, com base técnico-científica, chamam a atenção para os riscos do aumento do percentual do biodiesel, de base éster, sem estudos e testes mais detalhados.
No contexto, outro importante aprendizado. Desde que os aumentos percentuais do biodiesel (de base éster) foram definidos acima de 10%, sem que nunca o usuário final, o transportador, fosse minimamente ouvido, a entidade representante desse segmento, a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), vem recebendo inúmeras queixas, dos seus associados, sobre problemas graves em seus motores e um aumento gigantesco dos custos operacionais e de manutenção.
Coube à CNT, assim, em parceria e com o apoio de grandes empresas transportadoras, implementar pesquisas para a escuta desses problemas e encomendar testes, estudos e avaliações. As pesquisas junto aos usuários e associados da CNT são muito reveladoras e preocupantes. Em torno da metade relatou, ainda com o percentual em 10%, muitos problemas com consequências sérias sobre suas operações e seus custos.
Mas o que mais chamam a atenção são os estudos realizados pela Universidade de Brasília (UnB) e os testes de campo e laboratoriais conduzidos por importante grupo empresarial do transporte urbano, sediado em São Paulo, utilizando-se de todas os requisitos normativos de qualificação do biodiesel, desde sua gênese até o armazenamento.
Resumindo: há perda de eficiência energética, sendo que o impacto disso são adicionais de 9,5% a 15% no consumo de diesel em caminhões e de 8% a 20%, em ônibus. Um impacto para o transportador da ordem R$ 24,71 bilhões, com aumento de consumo de até 4,03 bilhões de litros (a repercutir na mobilidade e em toda cadeia de distribuição, inclusive de alimentos). Os resultados dos testes e estudos para o B15 potencializam outros problemas com consequências ainda maiores sobre os custos operacionais, como intervalo de troca de filtros da frota, aumentando quantidade e custos em até 723% e a paralisação dos motores (formação de borra ou cristalização em baixas temperaturas).
Entretanto, ainda mais grave, é o impacto ambiental, como demonstram os estudos e os testes realizados, representado pelo acréscimo de 5% das emissões do setor de transporte. São 10,66 milhões de toneladas de CO2 equivalente a mais lançadas na atmosfera involuntariamente pelo transportador, pois não lhe deram o direito de fala e de escuta.
Por fim, ouvir o consumidor final, especialmente o transportador, bem como os usuários de geradores de energia a diesel como única opção e, não raro, emergencial, tais como os hospitais, além de ser conteúdo básico para a pauta da justiça climática, fornece muito aprendizado. Afinal, o grande líder é aquele que escuta e quer aprender.