Crise Climática

Visão do Correio: Eventos extremos e o novo normal

Sob o risco de devastação, o Brasil tropical e de proporções continentais não pode contar apenas com bênção, sorte e caridade. Os tempos são de efetividade climática

Passada a fase mais crítica da pandemia da covid-19, uma das principais preocupações era com o chamado novo normal. Havia um planeta tentando sair da excepcionalidade e voltar ao corriqueiro após ser assolado por um vírus. O desafio parece estar de volta. Agora, devido a uma ameaça visível e de consequências dramáticas. Não à toa, a Organização das Nações Unidas usa expressões como "catástrofe" e "apocalipse" para se referir ao atual momento de "fervimento global" e tem enfatizado que estar pronto para responder aos extremos climáticos precisa fazer parte da agenda de todos os governos.

Como quando surgiu o coronavírus, ninguém está imune à nova crise. Agora, os Estados Unidos — que, em julho, chegaram a registrar calor de quase 50ºC — lidam com uma onda de frio extremo, próximo aos 40ºC negativos, que colocou em alerta 20% da população, estima o Serviço Meteorológico Nacional. Na outra ponta do mapa e do ranking de desenvolvimento econômico e social, Zâmbia enfrenta um preocupante surto de cólera pela escassez de água potável — a combinação de fortes chuvas em razão da crise climática e pouco saneamento básico resultou em grande contaminação do recurso hídrico e na possibilidade de o país africano estar diante da pior crise da doença contagiosa desde 1977.

O Brasil, assim como a Zâmbia, tem o desafio de lidar com a junção de suas debilidades estruturais e o aumento dos extremos climáticos. Quanto ao problema mais antigo, há, no mínimo, lentidão para enfrentá-lo. Levantamento divulgado, nesta semana, pela Casa Civil da Presidência da República, por exemplo, indica que 34% dos municípios brasileiros (1.942) têm parte da população em áreas suscetíveis a deslizamentos, enxurradas e enchentes. São quase 9 milhões de pessoas morando nesse cenário — que, em 2012, já se revelava ao governo federal. À época, relatório também da Casa Civil indicava que moradores de 821 municípios viviam essa realidade, responsável por 94% das mortes por desastres no país.

Se foram feitas, medidas para ocupação segura de áreas urbanas, contenção de encostas, mitigação de inundações e coleta regular de lixo, entre outras respostas indicadas, parecem não ter surtido efeito. Isso porque o número de municípios com pessoas nessa situação de risco aumentou 136% de um documento para outro e, nesse período, os desastres ambientais assolaram muitas dessas regiões repetidamente — inclusive, em estações já conhecidas. Neste novo normal com extremos climáticos, temos, portanto, mais áreas fragilizadas pela ineficiência histórica em políticas de prevenção.

E essa nova ameaça não é tão recente assim. O mundo fechou 2023 com as maiores temperaturas registradas nos últimos 100 mil anos, segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus. O mesmo observatório europeu alertou, no começo de 2023, que os últimos oito anos anteriores tinham sido de calor recorde. Há 32 anos, a Eco 92, conferência da ONU sobre o meio ambiente que aconteceu no Rio de Janeiro, já indicava a necessidade de o planeta adotar uma lógica de desenvolvimento sustentável para sobreviver.

É difícil, dessa forma, colocar apenas na conta do aquecimento global as mortes e as destruições que deixam os brasileiros apreensivos há meses. Segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, o que está acontecendo agora é apenas uma "prévia do futuro catastrófico" reservado ao planeta caso não paremos de "queimá-lo". Sob o risco de devastação, o Brasil tropical e de proporções continentais não pode contar apenas com bênção, sorte e caridade. Os tempos são de efetividade climática.

 

 

Mais Lidas