Educação

Análise: Outro ano desperdiçado no ensino superior brasileiro

O que se espera é que a "Pátria Educadora" de antigos governos petistas esteja de volta. Porém, no que diz respeito aos subsídios federais, o ano de 2024 promete ser decepcionante

» Rodrigo Bouyer, avaliador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e sócio da Somos Young

A divulgação dos resultados do Enem marcam o início dos dias mais significativos para a efetivação de matrículas no ensino superior brasileiro — seja ele público ou não gratuito (privado ou comunitário). Para o segmento, essa data equivale à Páscoa para a indústria de chocolates ou ao Natal para o varejo. Ou seja, boa parte do resultado financeiro do ano no setor é largamente influenciada por esse período.

Tal fenômeno apoia-se no fato de que, a partir da publicação dos resultados, os estudantes do terceiro ano do ensino médio definem seu futuro acadêmico. Vale ressaltar que a histórica desigualdade social no Brasil pune e condena não apenas os nossos jovens, mas também a economia e a sociedade como um todo. Ocorre que os estudantes que cursaram o ensino médio nas escolas particulares (menos de 13% do total) vão estudar nos cursos que vocacionam e nas instituições de maior credibilidade.

Quanto aos jovens que estudaram o ensino médio na rede pública, apenas cerca de 10% conseguirão seguir pelos mesmos caminhos dos estudantes da rede particular. Todo o restante dependerá de subsídios públicos ou privados para o acesso e a permanência no ensino superior. Esse cenário faz com que o Brasil esteja distante de atingir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) previstas para o ensino superior na década entre os anos de 2014 e 2024.

Assim, em termos de acesso ao ensino superior, a nossa população conta com o Sisu (sistema de seleção para ingresso nas instituições públicas), o Prouni (bolsas de estudos em instituições não gratuitas) e o Fies (financiamento para ingresso nas instituições não gratuitas). Como 78% de todos os estudantes matriculados no ensino superior estão nas instituições não gratuitas, a democratização do seu acesso a esse nível de ensino precisa contemplar um volume significativo de subsídios públicos federais nessas instituições.

Diante da mudança de governo, considerando que o presidente Lula convocou pessoalmente os jovens a voltarem a participar do Enem e que o governo promoveu campanhas publicitárias para convencer os jovens a também se inscreverem no Sisu, Prouni e Fies, o que se espera para este segundo ano de governo Lula é que a "Pátria Educadora" de antigos governos petistas esteja de volta.

Porém, no que diz respeito aos subsídios federais, o ano de 2024 promete ser decepcionante. Senão vejamos. Quanto ao Sisu, não houve aumento significativo de vagas. Além disso, 41,4% das ofertadas em 2022 ficaram ociosas. Em relação ao Prouni, por ser permuta fiscal com base na receita das instituições não gratuitas e considerando que essas receitas são decrescentes desde 2015, as bolsas de estudos ofertadas pelo programa tendem a seguir caindo.

Em se tratando de Fies, embora tenham sido amplamente debatidas pelo Ministério da Educação (MEC) formas de ressuscitar esse programa que ostenta números pífios de novos contratos firmados anualmente, o Ministério do Planejamento e Orçamento não pareceu se sensibilizar com o tema ao propor a LOA de 2024. Com isso, por falta de previsão de recursos, o FIES seguiu inexpressivo ao fim do primeiro ano do novo governo federal. Como agravante, o Congresso Nacional ainda cortou as já parcas verbas do Fies para privilegiar o fundo eleitoral e as emendas parlamentares.

Diante desse cenário, os investimentos feitos pelo atual governo para convidar os jovens para fazer o Enem, o Sisu, o Prouni e o Fies parecem ter sido desperdiçados. É como convidar as pessoas para uma festa que não existirá. Infelizmente!

Pesquisa divulgada pelo Global Opportunity Youth Network de São Paulo (GOYN) em 2020 indicou que a não inclusão produtiva dos jovens deixa de gerar cerca de R$ 2 bilhões em riquezas no PIB municipal. Além do fato de se tornarem menos dependentes da estrutura pública, esses jovens, se tivessem conseguido estudar, se transformariam em importantes pagadores de impostos e geradores de trabalho e renda. Essa pesquisa é sobre São Paulo, a cidade mais rica do Brasil. Imagine esse número em nível nacional.

É por isso que não existe país desenvolvido sem uma educação superior de qualidade pujante e em expansão. A nossa, pela última década, está no caminho oposto e precisa ser resgatada urgentemente.

Justiça seja feita, o atual MEC tem tido uma atuação muito corajosa ao enfrentar problemas estruturais e de ordem regulatória do ensino superior que assombram o país há anos. Embora muitos ainda não tenham sido solucionados — quer por estarem aguardando definições judiciais ou regulamentares de edital público (caso dos novos cursos e do aumento de vagas em graduação de medicina), quer por estarem em meio a pressões lobistas de diferentes naturezas (caso do EAD de direito e das carreiras de saúde), quer por serem problemas mais complexos e que envolvem outras estruturas governamentais (caso das licenciaturas e o risco de apagão de professores por falta de atratividade da carreira docente no Brasil) —, este ministério teve coragem de jogar luz sobre temas espinhosos e se propor a tentar resolvê-los.

Contudo, em termos de subsídios federais para acesso ao ensino superior, o MEC ainda parece figurar como um soldado solitário em meio a uma guerra, sem conseguir contar com a solidariedade proporcional dos demais ministérios ou mesmo do Congresso Nacional.

 

Mais Lidas