» Alexei Peter dos Santos, médico oncologista e mestrando em tecnologia da educação pela University of British Columbia
As discussões em torno da regulamentação dos cigarros eletrônicos no Brasil deram maior visibilidade à redução de danos, um conceito que já está presente em várias situações do cotidiano das pessoas. Mas, quando se trata de saúde, o tema merece uma avaliação mais aprofundada, para melhor compreensão.
Em todo o mundo, no campo específico da saúde, a redução de danos busca a implantação de medidas que atuam sobre hábitos, comportamentos ou doenças que vão continuar existindo, mas que podem ter o seu impacto diminuído. Portanto, é um ato de maturidade entender que o problema não será completamente eliminado, mas poderá ter o seu dano reduzido. Nesse cenário estão, por exemplo, todas as doenças crônicas, como o diabetes, o tabagismo e o alcoolismo.
No debate em curso na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), vejo o processo de revisão da regulamentação para o uso dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF) como um grão de areia em uma praia imensa. A adoção da redução de danos nessa área é muito mais complexa. O passo inicial é aceitar o problema e ouvir o ator principal — no caso o paciente, em suas necessidades. Mas algumas áreas da medicina estabeleceram dogmas difíceis de quebrar. É necessário reorientar os profissionais para que possamos avançar.
A redução de danos no tabagismo pressupõe uma forma de repensar os tratamentos hoje disponíveis. É claro que a melhor opção para o paciente é deixar de fumar. Mas olhar para esse indivíduo e insistir com intervenções que incorporam apenas a cessação completa, de abstinência, é um erro, pois abandona uma abordagem mais holística e efetiva.
A cessação funciona para alguns pacientes, mas não para todos. É necessário lidar com aqueles que ficam ansiosos e até fumam com mais frequência ao ouvirem que precisam parar com o cigarro. Na relação entre o médico e a pessoa que busca algum tratamento, o vínculo precisa ser verdadeiro, de confiança, com o entendimento de que o fundamental é justamente o paciente.
Pesquisas mostram que há pelo menos 20 milhões de tabagistas no nosso país. O que os profissionais de saúde estão fazendo verdadeiramente por essas pessoas? Que tipo de tratamento está sendo adotado, por exemplo, no caso de pacientes oncológicos que não conseguem parar de fumar mesmo com todos os esforços para isso?
A avaliação sobre questões como essas, tão delicadas, não pode ser grosseira e rudimentar. Quando falamos de tabagismo, estamos falando do principal fator para doenças extremamente graves e prevalentes, como câncer, problemas cardiovasculares, doença pulmonar obstrutiva crônica e uma série de situações que pioram a qualidade de vida das pessoas.
A análise da Anvisa para a regulamentação dos cigarros eletrônicos dividiu as posições entre o mau e o bom, mas com pouco esclarecimento e informação. Dentro do princípio da equidade, precisamos oferecer condições diferentes para pessoas diferentes para que haja uma melhoria de vida real. Para que haja redução de danos no tabagismo, é necessário regulação, o que é bem diferente de sim ou não.
O grande objetivo das ciências da saúde é a saúde humana. Nesse processo, existem as medidas de prevenção, diagnóstico precoce e eliminação da exposição ao risco. Nesse conjunto, devem ser incluídas ações alternativas. No caso do tabagismo, essas opções podem incorporar os dispositivos eletrônicos para fumar, que não são todos iguais. E, aqui, entra a regulamentação, que leve em conta que redução de danos é resgate, inclusão e humanismo.