Economia

Efeito Janeiro: ciclo de juros cria onda favorável a investimentos

Condições da economia global e brasileira sugerem a possibilidade de ocorrência do Efeito Janeiro, fenômeno no qual a realocação das carteiras leva a uma alta expressiva dos ativos

» Alexandre Mathias, mestre em economia pela FGV-SP e estrategista-chefe da Monte Bravo Corretora

Nos últimos dois meses, os ativos brasileiros apresentaram uma valorização muito expressiva. O Ibovespa, que fechou 2023 com alta de 22,3%, subiu 18,4% no último bimestre. A boa notícia é que a perspectiva de retorno dos ativos brasileiros em 2024 segue muito positiva. A combinação do cenário global favorável com a Selic em queda permite vislumbrar uma segunda onda de alta dos ativos brasileiros.

Nesse sentido, o cenário global apresenta uma configuração bastante positiva na entrada de 2024. O principal fator é o fim do ciclo de alta dos juros nos Estados Unidos e, consequentemente, a perspectiva de cortes nos Fed Funds. Vale lembrar que o Fed Funds é a taxa de juros básica nos EUA e influencia toda trajetória da curva de juros por lá, repercutindo nos preços dos ativos no mundo inteiro. Além de cumprir uma função regulatória, serve como um suporte financeiro para o funcionamento de todo o conjunto de instituições financeiras americanas.

Outro fator relevante a destacar é também a redução das taxas de juros dos títulos do Tesouro Americano (Treasuries) de 10 anos. Em outubro de 2023, eles chegaram a superar 5% ao ano e, agora, estão abaixo de 4%. Essa redução provocou uma corrida de compras de ativos de risco no mundo todo. Sendo assim, a primeira onda de otimismo foi diretamente associada à queda das Treasuries. Em 2024, não é esperado uma redução tão intensa das taxas de juros nos EUA, mas, sim, uma variação menor ao longo do ano, uma vez que a trajetória de cortes já está embutida nas curvas.

Desse modo, se as taxas das Treasuries se mantiverem em torno dos níveis atuais, digamos em uma faixa entre 3,60% e 4,10%, isso criará as condições para uma segunda onda de valorização dos ativos globais — em especial, os ativos mais descontados.

Na comparação com os demais países emergentes, o Brasil entra 2024 em uma condição particularmente favorável, com inflação e juros em queda e a perspectiva de aceleração do consumo doméstico. A permissividade com que a discussão sobre as metas de superávits primários foi reaberta reinseriu, desnecessariamente, a incerteza fiscal como fator de risco. Mas ainda que a questão fiscal seja preocupante em um país que tem uma dívida cara, curta e crescente, caso o arcabouço fiscal seja respeitado, o risco fiscal vai se manter sob controle.

É importante registrar que a percepção sobre o primário de 2024 será o termômetro do risco fiscal. O foco estará na decisão sobre a meta deste ano e, depois, na execução do orçamento. Dessa forma, é possível projetar um deficit em torno de 0,8% do PIB para 2024, que, embora muito acima da meta, marcará uma redução importante frente ao deficit de -2,1% do PIB (incluindo precatórios) de 2023.

A despeito do ruído fiscal, o quadro doméstico é muito construtivo: a queda dos juros estimula a retomada da economia e poderá criar uma combinação que favorece a atração de fluxos de capitais e a valorização dos ativos. O crescimento menor do PIB em 2024 traz um ritmo de atividade doméstica mais forte e um consumo mais robusto, diferentemente de 2023, quando o crescimento veio do setor externo e da agricultura.

Mesmo com muitas incertezas geopolíticas a monitorar (Estados Unidos e China, Rússia e Ucrânia, Israel e Hamas), o fato é que o cenário base para a economia global é construtivo, pela primeira vez, desde a pandemia.

A queda precoce da inflação é um fenômeno global que abre espaço para que os bancos centrais antecipem os cortes. Nos EUA, o Fed deverá iniciar o relaxamento somente em junho deste ano, frente a uma expectativa majoritária de cortes já em março, trazendo a taxa de Fed Funds para 4,25% ao ano no final de 2024.

Por aqui, a queda da inflação também abriu espaço para o Copom seguir cortando além de 10% ao ano, e, agora, projetamos uma taxa Selic de 9,25% em julho, em vez de 10%, que era a projeção no mês passado.

A queda da volatilidade das Treasuries e a perspectiva de aceleração da economia doméstica, com a queda da Selic, criam um cenário muito favorável para as ações no Brasil. Com a perspectiva de desaceleração da economia norte-americana nos próximos meses, os investidores globais tendem a alocar uma parcela maior nos países emergentes, classe na qual o Brasil é um dos destaques.

Além disso, os investidores locais, de multimercados e de renda variável tendem a aumentar as posições na bolsa devido ao cenário positivo. Assim, as condições da economia global e brasileira sugerem a possibilidade de ocorrência do "Efeito Janeiro", fenômeno no qual a realocação das carteiras leva a uma alta expressiva dos ativos nos primeiros meses do ano.

Caso esse cenário se materialize, os investidores que não souberem aproveitar a segunda onda de valorização dos ativos brasileiros neste início de 2024 poderão se defrontar com um quadro bem diferente na segunda metade do ano. Provavelmente, as oportunidades de retorno elevado estarão mais escassas e as estratégias de risco vão precisar de mais tempo para maturarem.

Por fim, é preciso reconhecer as limitações das projeções diante da natureza imprevisível da realidade: mudanças como pandemias, eleições, guerras e alterações nas políticas podem influenciar significativamente o cenário e as rentabilidades.

 

 

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