O projeto Radam, Radar da Amazônia, foi criado pelo ministro das Minas e Energia, Shigeaki Uéki, no governo Ernesto Geisel. Esse programa trabalhou com um avião Caravelle, numa altitude de 11 mil metros e velocidade média de 690 Km/h, utilizando um tipo de radar específico que enxergava a terra através das nuvens, dia e noite. Seu trabalho coletou dados sobre recursos naturais, solos, vegetação, uso da terra e cartografia da Amazônia. O Brasil não se conhecia até então. Vários rios foram realocados nos mapas, ilhas que não eram ilhas, penínsulas que eram cercadas por água e vastos recursos minerais. Havia ouro na Amazônia.
Havia muitos índios também. O projeto Radam, por causa de seus excelentes resultados, foi expandido para todo o Brasil. Mas, no Norte ele teve especial participação nos projetos de desenvolvimento da época. A partir de suas revelações foram abertas as estradas que cruzam a Amazônia, a Transamazônica é um exemplo, e foi iniciado um processo de colonização de vastas áreas naquela região. Aconteceu o inevitável. O branco se chocou com o índio. E com as políticas de quem defende o meio ambiente. Antes do projeto Radam já existia Amazônia e índios, mas os brasileiros não tinham noção do que a floresta escondia.
As descobertas do Radam abriram as fronteiras da Amazônia. A partir de 1987 foram construídas dezenas de pistas de pouso clandestinas por garimpeiros nos afluentes do rio Branco. Foram encontrados veios de ouro importantes que provocaram uma corrida em busca do precioso metal. A estimativa, difícil de ser feita, aponta para que o número de garimpeiros e auxiliares constitua uma população perto de 30 mil pessoas que vivem de maneira irregular naquela imensa área.
O primeiro contato de ianomâmis com o homem branco ocorreu em 1950 na Venezuela por meio de um missionário de católico. No Brasil, ocorreu, em 1962, por intermédio do trabalho do padre Góis, responsável pela instalação da missão em Amaturá (município no interior do estado do Amazonas). Entre 1968 e 1972, o padre italiano João Batista Saffirio, da congregação missionária da Consolatta, viveu entre comunidades indígenas do Território Federal de Roraima, que descreveu como ianomâmis. A reserva foi demarcada em 1991. Possui 96.650 Km², habitada por cerca de 35 mil índios. É maior do que Portugal, que possui 92.212 Km² e cerca de 10 milhões de habitantes. Defender a vida dos ianomâmis é tarefa do governo. Mas o gigantismo da área não permite que se faça prognósticos positivos.
As reservas são trespassadas por interesses econômicos, além do ouro, por supostos pesquisadores estrangeiros em busca de algum tipo de riqueza e até por pesquisadores honestos. Os índios estão expostos a todos esses perigos numa área impossível de ser defendida. Essa é uma questão difícil de ser respondida. Os defensores do meio ambiente pretendem que a floresta permaneça intocada com objetivo de favorecer a sobrevivência das comunidades autóctones. Além dos índios existem cerca de 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia. Eles precisam de emprego, renda e de facilidades de consumo. São tão brasileiros quanto os do Sul ou do Sudeste. Defender a existência dos ianomâmis é fundamental, sobre isso não resta dúvida. Mas garantir o desenvolvimento dos povos da Amazônia é outra realidade. A difícil tarefa do governo é encontrar o caminho entre os dois argumentos.
No início de seu governo, o presidente Lula comandou a retirada dos garimpeiros da reserva ianomami. As Forças Armadas participaram do esforço a um custo muito elevado e não revelado. Transportar marmita de helicóptero é caríssimo. E, pior, não deu certo. Depois do esforço, os garimpeiros retornaram às suas atividades anteriores. Tornaram a invadir a área e exercer seu ofício, utilizando mercúrio que polui rios e mata os peixes. O esforço anterior serviu apenas para alimentar manchetes de jornal e as emissoras de televisão produzirem documentários espalhafatosos. O drama dos ianomâmis continua intocado.
O presidente decidiu elevar o número de agentes de governo no local. Ele pretende criar um posto avançado da Polícia Federal, colocar militares e agentes da Funai mais perto dos índios para defender a comunidade. É paradoxal porque quanto mais brancos estiverem perto dos indígenas, mais eles estarão expostos a doenças de toda espécie. Em outras áreas deve acontecer o mesmo paradoxo. A Petrobras constrói uma pista de pouso perto da cidade de Oiapoque, no norte do Amapá, fronteira com a Guiana Francesa. Na cidade, que carece de tudo, é uma festa, que vai movimentar restaurantes, motoristas de táxi, hotéis e as meninas que vivem da noite. O governo vai ter que enfrentar esta dualidade: destruir com objetivo de construir ou preservar a selva para o gringo fotografar macaco e jacaré.