SACHA CALMON, advogado
Sabemos que, nos Estados Unidos, existem muitos partidos, mas só dois valem: o Democrata e o Republicano, este mais conservador. Lá, o regime de governo é presidencialista, como o nosso. Na Europa, prevalece o parlamentarismo, com três ou quatro partidos representativos e programas bem definidos perante os eleitores.
Em ambos os casos, temos democracias perfeitas, livres do "populismo", do "líder carismático" e dos "demagogos". Essas odiosas figuras de líder tornam as democracias imperfeitas, como ocorreu na Rússia de Putin e no Brasil com Jair Bolsonaro, de pouca leitura.
Os 7 de setembro eram sempre de discursos antidemocráticos, que tocaram boa parte do povo, mas não lograram atrair as Forças Armadas, já vacinadas com o desgaste dos generais-presidentes (Castelo Branco; Costa e Silva e sua mulher esperta e mandona, a fazer "negocinhos"; Emílio Médici, o mais honesto e popular, embora desrespeitador dos direitos humanos; Ernesto Geisel, sério e responsável; e João Figueiredo, o qual, embora ditador castrense, jurou "fazer deste país uma democracia" e realmente cumpriu a promessa).
Figueiredo, em vez de impor outro general, permitiu e acatou que o Congresso Nacional elegesse Tancredo Neves, velha raposa política de Minas Gerais que, infelizmente, morreu antes da posse. O seu vice era José de Ribamar (Sarney). Aceitou o mister, foi empossado e governou cinco anos o país (a chamada redemocratização). Seu governo, pleno de dificuldades, foi respeitado pelas Forças Armadas, em que pese uns três incidentes — entre eles, o protagonizado pelo tenente Jair Messias Bolsonaro, que queria melar os festejos democráticos do povo brasileiro (e que mataria pessoas e suscitaria uma ideia de anarquia no país. Foi a mesma razão que organizou o 8 de janeiro).
Desde aquela época, Bolsonaro era político de direita. Foi empurrado a sair do Exército passando para a reserva com o posto de capitão, tendo sido deputado pouco tempo depois, na Baixada Fluminense, pelo Rio de Janeiro (seis vezes). Noutras palavras, por décadas.
Após o "convite" para sair do Exército Nacional, encaminhou os filhos para a vida política e fez carreira na Baixada Fluminense, o que lhe rendeu o apelido de "miliciano" (grupos que extorquiam, e ainda o fazem, a população da periferia do Rio de Janeiro em troca de lhe garantir "segurança"). Fato é que a família é rica, só usa dinheiro vivo nos negócios. Até que ponto são verdadeiros esses fatos, não se sabe.
O problema é o Legislativo. Os partidos, mais de 14, sem programa nem tradição, detêm o poder de fazer leis e aprovar "medidas provisórias" do Executivo nacional. Aqui, na relação entre o Executivo e o Legislativo, reside o nó górdio da política nacional, e nenhum presidente, seja Bolsonaro, seja Lula, os mais recentes, não deveria aceitar (pedidos de cargos e verbas do Centrão para poderem governar).
Bolsonaro deu ao Congresso Nacional a chave do cofre, enquanto inquietava o país com falas golpistas a cada 7 de setembro do seu governo, cooptando a classe média do país (pelo menos 70% dela). Agora, Lula tem que satisfazer os interesses do Centrão para governar — os parlamentares dizem que, sem suas emendas impositivas, não podem levar a suas base, ponte, escola, estrada, posto de saúde…
Com o dinheiro público, benesses às suas bases eleitorais distorceram o jogo político. Isso se move diferentemente nos EUA, nosso modelo do Estado (presidencialismo, democracia, federação, separação de poderes, eleições periódicas). Nosso direito não vem da common law (lei comum), em grande parte transferida da Inglaterra para as suas 13 colônias na América. Vem do direito continental europeu formado sob a influência do direito romano. Contudo, em termos de organização, equilíbrio e funções do Estado, copiamos, na íntegra, o modelo dos Estados Unidos, o criador do regime presidencialista de governo.
Interessa-me o papel das Forças Armadas, cujo lugar é o quartel profissional. Bolsonaro manteve sistemático e abusivo uso do povo evangélico para seus desígnios. Profetizava a ideia de que era o bem contra o mal (seus adversários). Com isso, conspurcou os templos religiosos não católicos, como se fosse um tipo redentor e reformador da política (aliás, sempre viveu da política).
Atualmente, está à volta das vendas de joias ganhas como presidente, e não como pessoa, que tinham de ser integradas ao acervo presidencial, segundo a lei, mas não são apenas os estojos da Arábia Saudita. A imprensa tem falado em 18 peças diferentes (que diferença de JK e de FHC). Trata-se de crime de peculato (furto de bens públicos). O que incomoda as Forças Armadas é ver generais e um coronel envolvidos nas tramoias largamente mencionadas pela imprensa do país, além de outros atores militares em serviço ativo, em desvio de função.