*ROSENIURA SANTOS, auditora-fiscal do Trabalho e chefe do Setor de Mediação. É doutora em políticas sociais e cidadania (UCSAL)
A evolução tecnológica tem impactado profundamente o mercado de trabalho, gerando um complexo processo de mudanças que desafia as instituições públicas de regulação do trabalho. Os impactos são sentidos não só no setor de transporte por aplicativos, pois vem se espalhando para outros serviços, como garçons, trabalhadores domésticos, professores e outros profissionais de alta qualificação.
No Brasil e em diversos países, a busca por uma solução tem como maior obstáculo o apego à dicotomia dos conceitos de empregado versus trabalhador autônomo. Essa visão restritiva leva a uma divisão de opiniões entre os que, de um lado, entendem que os trabalhadores de aplicativos devem ser classificados como empregado, e, de outro, aqueles que defendem o caráter autônomo do serviço prestado.
A ausência de uma normatização, no caso brasileiro, tem criado insegurança jurídica especialmente por divergentes posicionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e os órgãos trabalhistas. A Auditoria Fiscal do Trabalho, o Ministério Público e a Justiça do Trabalho tendem a adotar posição que aproxima os trabalhadores por aplicativos da figura do empregado. Enquanto o entendimento do Supremo, todavia, é no sentido de que há permissão constitucional para outras formas alternativas, não somente a relação de emprego.
A visão do STF não é fechada e possibilita construir uma via de equilíbrio que considere a peculiaridade do trabalho por aplicativos. Estão em tramitação os projetos de lei nº 3.748/2020, 2.355/2021, 3.185/2021, 3.540/2023 e 5.828/2023, cabendo ao Congresso Nacional buscar uma regulamentação que concilie os interesses envolvidos.
A partir da experiência de outros países, especialmente no âmbito da União Europeia, pensamos que a melhor rota de saída para o impasse é fixar regulamentação que defina parâmetros para identificar a presença ou não de subordinação, quando presentes algumas das seguintes práticas: a) definição de limite máximo de remuneração por trabalhador; b) controle de produtividade ou performance, incluindo em tempo real, ou verificação da qualidade da atividade prestada, nomeadamente por meio de meios eletrônicos ou de gestão algorítmica; c) controle de alocação e distribuição de tarefas; d) restrição à autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho especialmente quanto à escolha do horário de trabalho, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, de aplicação de sanções; e) limitação à aparência ou conduta dos trabalhadores.
A posição adotada pela União Europeia certamente vai influenciar os outros continentes. Todavia, ainda haverá muito a debater, pois é induzida pelo controle logístico desse processo e pela tecnologia cada vez mais sofisticada.
As resistências ao trabalho por aplicativos são influenciadas pela realidade brasileira marcada por flagrantes de práticas das empresas, por meio de contratações que visam fraudar a legislação fiscal, trabalhista e previdenciária. Diante desse histórico brasileiro, é difícil, muitas das vezes, separar o joio do trigo.
É preciso alertar para que não se repita experiência como a ocorrida, por exemplo, em 1994, com a introdução do parágrafo único do art. 442 da CLT, que passou a dispor que, qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços. A partir dessa regra, inúmeras cooperativas fraudulentas foram usadas para burlar a legislação, sendo autuadas pela Auditoria Fiscal do Trabalho e condenadas em processos trabalhistas.
Ainda que seja regulamentada de forma específica, na prática, a classificação do trabalhador por aplicativos como empregado, autônomo ou parassubordinado deve considerar as práticas adotadas pelas empresas. Para estabelecer uma proposta de normatização que garanta condições dignas de trabalho e preserve os empreendimentos econômicos, é fundamental pensar em uma saída sem se agarrar a paradigmas rígidos e polarizados.
É preciso, especialmente, que o governo, o parlamento, os trabalhadores e as empresas estejam comprometidos a dialogar com transparência e consciência de que será a realidade vivida nesse mercado digital que definirá a atuação dos órgãos trabalhistas.
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