» André Gustavo Stump, jornalista
"Quem é você que não sabe o que diz, meu Deus do céu que palpite infeliz". Noel Rosa, quem diria, transformou-se em sagaz crítico da política e da economia do país. Os bons números apresentados pelo cenário econômico brasileiro tornaram evidente que os profetas do mercado financeiro são, na verdade, palpiteiros que ajustam suas previsões às circunstâncias do momento. No início de 2023, o boletim Focus antecipava que o crescimento do Produto Interno Bruto do país seria de 0,7%. O resultado foi de 2,9%. Um verdadeiro palpite infeliz que se repetiu na previsão da inflação e da cotação do dólar. Tudo errado.
Havia, claramente, uma torcida contra o governo do presidente Lula. E uma desconfiança perceptível em relação ao ministro Fernando Haddad, um scholar que produziu tese sobre a economia nos países comunistas. Na economia planificada, tudo deve ser previsto no projeto anual ou plurianual. Não há que falar em inflação, porque os preços são controlados pelo Estado. Os deficits orçamentários são cobertos por emissão de moeda. E o consumo é controlado pela reduzida oferta de produtos. O cidadão tem dinheiro, mas não tem onde gastar. Era comum em Moscou, no tempo do comunismo, o estrangeiro ser assediado na rua para vender sua calça jeans. O pagamento era em dólares.
O cidadão que decidia comprar um veículo pagava as prestações e recebia o carro cinco anos depois, porque o Estado dava preferência ao transporte público. E o automóvel era de péssima qualidade, o melhor exemplo é o Trabant, produzido na Alemanha comunista, que, nas últimas versões, não tinha marcha-ré com objetivo de reduzir seu preço. Hoje, é peça de museu e tem até algum valor histórico. É o exemplo do que não se deve produzir. Não havia moda na época. Houve um período em que o Estado Soviético produziu camisas no estilo chinês de Mao Tsé Tung. Azul-escuro. Mas não tinham botões, porque houve um descasamento entre a produção de um e outro bem.
São exemplos verdadeiros. Os países que orbitavam em torno da União Soviética foram se desmanchando, um a um, quando o Império Soviético parou de enviar dinheiro. Todos, sem exceção, estavam virtualmente falidos. E, pior, endividados em níveis altíssimos com bancos ocidentais. Quem sustentou a República Democrática da Alemanha, no fim de seus dias, foram os bancos da Alemanha Ocidental. São fatos da história. No Brasil recente, o governo Dilma decidiu tolerar um pouco de inflação e gastar o máximo para obter resultados formidáveis no crescimento econômico. A consequência foi inflação pesada, mais de 12% ao ano, e recessão que paralisou o país por dois anos.
O ministro Fernando Haddad surpreendeu ao fazer defesa de medidas ortodoxas na economia. Ele persegue o deficit zero nas contas públicas, para manter a inflação baixa, reduzir as taxas de juros, impulsionar o desenvolvimento e manter o dólar em preço razoável. Seu partido, contudo, não pensa assim. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que, não por acaso, foi braço direito da presidente Dilma Rousseff, critica dia sim, dia não, o ministro da Fazenda do governo do próprio partido. O deputado Lindbergh Farias (PT/RJ), vice-líder do governo no Congresso, diz que tentar o deficit zero é burrice. Expressão forte que determina o nível do debate. Haddad, chamado de austericida, se insurgiu contra os companheiros que festejaram os bons números da economia brasileira, mas persistem nas críticas.
Não são as flores do recesso de que nos dizia o saudoso deputado Thales Ramalho, secretário-geral do antigo MDB, um dos articuladores da transição pacífica dos militares para os civis. A desavença entre os companheiros expõe, de maneira clara, o pensamento da direção do PT em relação à economia. Seus integrantes não entenderam ainda nem a globalização. Eles não miram os adversários políticos, mas seus colegas. Atiram para o lado, não para frente. É a antecipação da sucessão presidencial dentro da sigla. Quem será o herdeiro de Lula?
Essas bizarrices ocorrem na semana em que o governo do PT lembra o primeiro ano da vitória contra a violenta tentativa de golpe arquitetado e conduzido por civis e militares para derrubar a frágil democracia brasileira. As sedes dos Três Poderes foram invadidas. O objetivo era a decretação de uma GLO — Garantia da Lei e da Ordem. Os militares assumiriam o governo. Seria difícil retirá-los dos palácios. Mas as forças legalistas se defenderam. Afastaram o golpe e trabalham para pacificar e reunificar o país. Os golpistas foram presos e condenados. Na jovem democracia brasileira, é um dia para ser celebrado. O resto é esquerdismo adolescente. E palpite infeliz.