MOZART NEVES RAMOS, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE
Minhas reflexões são de alguém que está na planície, e não no planalto — por isso suscetíveis a um ou outro equívoco. Contudo, tenho andado por muitas planícies deste Brasil afora. Começamos o ano de 2023 com muitas esperanças de uma nova agenda para a educação (https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2023/01/5063130-artigo-o-novo-mec-e-seus-desafios.html). Nosso artigo foi concluído com a frase: "Estou confiante e com o velho entusiasmo de volta". Mas fui perdendo aos poucos o entusiasmo, não a esperança — como todo realista esperançoso, na concepção de nosso saudoso Ariano Suassuna.
A velocidade com que o Ministério da Educação imprimiu não foi a esperada, ficou refém de alguns poucos temas, como o ensino médio e a autorização de novos cursos de medicina. Não vou, aqui, julgar, pois cabe ao Ministério da Educação (MEC) fazer essa avaliação, mas faltaram sobretudo melhor articulação e maior mobilização para operar a tão sonhada agenda. Terminamos o ano de 2023 com a sensação de que faltou muita coisa — fruto, talvez, da ansiedade de quatro anos de paralisia potencializada pela pandemia.
Vamos começar esta análise reflexiva por aquilo que, a nosso ver, tomou o maior tempo do MEC em 2023: a peleja do ensino médio. E o pior: terminamos o ano sem resolvê-la — e, com isso, mais de 7 milhões de jovens, de escolas públicas e particulares, começam o ano sem um norte seguro para se preparar para a vida, para o ensino superior e para o mundo do trabalho. Na tentativa de frear o crescente desinteresse do jovem pela atual escola de ensino médio, refletido inclusive nas inscrições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o governo sinaliza para uma bolsa de estudos, para que um maior número de estudantes possa concluir essa última etapa da educação básica.
A proposta que ainda tramita no Congresso deve beneficiar 2,5 milhões de alunos com renda familiar mensal de até R$ 218 por pessoa. A preocupação do governo procede: em 2019, mais de 300 mil jovens abandonaram o ensino médio; se levarmos em conta o número de alunos reprovados, chegamos a quase 1 milhão de jovens. Um desperdício brutal de dinheiro, devido à ineficiência do atual ensino médio, sem esquecer que de cada 100 jovens dos que terminam essa última etapa da educação básica, apenas cinco aprenderam o que seria esperado em matemática (https://qedu.org.br).
Não vamos esquecer de que o problema do ensino médio começa nos anos finais do ensino fundamental (EF) — não querer enxergar isso é como se estivéssemos vendo apenas a parte visível do iceberg. E, para enfrentá-lo adequadamente, vamos precisar de uma grande aliança colaborativa entre as três esferas de governo — ou seja, colocar em prática o regime de colaboração. Em alguns estados, essa etapa é oferecida majoritariamente pelas redes estaduais, como é o caso dos estados do Paraná e de Roraima; em outros, a oferta majoritária é dos municípios, como é o caso dos estados do Maranhão e do Ceará. Ao término do 9° ano do EF, de cada 100 concluintes, apenas 15 aprenderam o que seria esperado em matemática, com base nos dados de 2021 ().
No primeiro semestre de 2023, o governo lançou o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), inspirado no exitoso programa de alfabetização de crianças cearenses. Em minhas andanças, a sensação que tenho é de que faltam coordenação, articulação e mobilização para que esse pacto chegue, de fato, ao chão da escola. E, para fazê-lo decolar, será preciso correr contra o tempo, uma vez que 2024 será um ano "curto", em decorrência das eleições municipais.
O Plano Nacional de Educação (PNE) se conclui em 2024, e a maior parte das metas não foram cumpridas. O desafio da melhora da aprendizagem e da redução da desigualdade escolar só cresceu, impulsionado pela pandemia e pela política educacional equivocada do governo anterior. Saímos da marcha ré, essa é a boa notícia. A parte triste é que estamos ainda na primeira marcha — o carro da educação precisa acelerar.
O governo se mostrou preocupado com o baixo acesso à internet pelas escolas públicas, especialmente as rurais. Isso ficou evidente durante a pandemia. Assim, lançou, em outubro de 2023, a chamada Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec), mas vai precisar como nunca colocar também em prática o regime de colaboração — incluindo nesse caso, no meu entendimento, setores da sociedade civil vinculados à educação, que podem ajudar na sua implementação. Não basta levar tecnologia para as escolas — é preciso preparar os professores.
Para implementar sua agenda, o MEC vai precisar de todos. Se ficar refém de alguns poucos setores da educação, a agenda não vai decolar. O grande sucesso dessa pasta nos dois primeiros governos do presidente Lula foi a capacidade de mobilizar a sociedade pela causa da educação. Para isso, basta colocar em prática o artigo 205 da Constituição Federal — a oferta de uma educação que desenvolva plenamente as pessoas é dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade.