Segurança pública

Profissionalização da segurança pública e câmeras corporais no Brasil

São novas tecnologias que estão presentes, principalmente, em guardas municipais e polícias militares. Elas são apenas equipamentos e não mudarão a forma como são prestados os serviços de segurança pública

ISABEL FIGUEIREDO, mestre em direito constitucional e especialista em gestão pública, é diretora do Sistema Único de Segurança Pública

MÁRCIO JÚLIO DA SILVA MATTOS, doutor em criminologia e coordenador-geral do Sistema Único de Segurança Pública

As câmeras corporais são uma realidade na segurança pública brasileira. Segundo levantamento feito pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em agosto do ano passado, havia cerca de 30 mil câmeras em uso por instituições de segurança pública de todo o país. São novas tecnologias que estão presentes, principalmente, em guardas municipais e polícias militares. Como sabemos, as câmeras são apenas equipamentos e não mudarão a forma como são prestados os serviços de segurança pública. Esse é um pressuposto ao debate sobre o tema: não há uma política nacional que oriente a utilização de câmeras corporais no Brasil.

Esse é o tipo de obra de saneamento que temos nos empenhado, no MJSP, em realizar desde o início de 2023. Apesar de não repercutirem como as operações de ocasião, são justamente as políticas que orientam, condicionam e qualificam os serviços prestados. Esse é o propósito da divulgação para consulta pública das Diretrizes Nacionais sobre o Uso de Câmeras Corporais em Segurança Pública, cujas contribuições podem ser feitas por qualquer pessoa diretamente no site: https://www.gov.br/participamaisbrasil/consulta-publica-sobre-a-portaria-da-diretriz-nacional-sobre-cameras-corporais-em-seguranca-publica.

A elaboração de uma política pública deve buscar a promoção do interesse público. Assim, entendemos que as câmeras corporais contribuem com profissionalização da segurança pública, o que representa, por sua vez, a realização de anseios de toda a sociedade por serviços que garantam qualidade de vida para todos. As câmeras corporais são bastante estudadas fora do Brasil, o que nos oferece um raro contexto de evidências em segurança pública. Os estudos têm se dedicado a analisar pelo menos quatro principais impactos das câmeras corporais em segurança pública.

O primeiro impacto está relacionado à melhoria das condições de trabalho e do clima organizacional em segurança pública. As evidências mostram que esses resultados somente podem ser alcançados com planejamento e execução comprometidos com a saúde e a segurança. Não se pode esperar que as câmeras façam o trabalho dos policiais. Para isso, as instituições devem assumir a responsabilidade de garantir condições adequadas de trabalho para os policiais.

O segundo conjunto de impactos revela que as câmeras corporais reduzem mortes, tanto de policiais quanto do público, e formas indevidas de uso da força. Esses foram os resultados em São Paulo e Santa Catarina, por exemplo. As reclamações sobre a conduta dos policiais também são reduzidas de forma significativa e duradoura, gerando menos processos desnecessários ou denúncias infundadas. Logo, as evidências mostram que as câmeras corporais protegem todos os atores em interações de segurança pública e ajudam a punir aqueles que não seguem as regras.

Um terceiro impacto estudado é a melhoria da qualidade das evidências criminais e administrativas. Em diferentes cidades do mundo, o uso de câmeras reduziu os prazos de conclusão de processos, aumentou as resoluções dos casos e melhorou a classificação das ocorrências. Os efeitos das câmeras corporais sobre a produtividade das polícias impactam os resultados do sistema de justiça criminal como um todo. Em particular, merece atenção a garantia da integridade das evidências coletadas, o que deve ser priorizado desde o início do planejamento com recursos auditáveis e integrados com todos os órgãos envolvidos.

O impacto sobre os comportamentos dos policiais também tem sido estudado. Diferentemente do que já se afirmou publicamente, sem qualquer embasamento em evidências, as câmeras corporais não estimulam a redução das atividades dos policiais, o chamado efeito de despoliciamento. Pelo contrário, os estudos demonstram o aumento dos registros criminais e outras atividades administrativas em decorrência das câmeras corporais. Além disso, há evidências de que as câmeras corporais contribuem para atitudes de mais cooperação com as polícias, inibindo comportamentos antissociais em geral.

A implementação de câmeras corporais em segurança pública está longe de ser uma empreitada simples. Um dos desafios iniciais é reconhecer os impactos das câmeras corporais nas organizações como um todo. Não se trata apenas de adquirir os equipamentos, mas de planejar processos que permitam alcançar o seu potencial. A utilização das evidências científicas torna esse caminho menos sujeito ao erro. A publicação das diretrizes nacionais de câmeras corporais é um chamado à discussão pública de um tema de interesse de todos. Contribuam!

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