*Por HELENA MOURA - Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) e membro do grupo de Geopsiquiatria da Associação Mundial de Psiquiatria
Recentemente, teorias da conspiração levantadas pela participante do Big Brother Brasil Vanessa Lopes despertaram preocupações sobre a sua saúde mental. Afinal, acreditar que alguns elementos do jogo estão ali apenas para influenciar o seu comportamento e o resultado é loucura... Certo? Em tempos de aumento de jogos on-line, um recado importante: se você joga por dinheiro, você é manipulado.
Assim como as substâncias psicoativas, os jogos de aposta estimulam o centro de recompensa do cérebro, onde a dopamina é responsável pela sensação de prazer e por impulsionar a busca por novos estímulos. Essa tempestade dopaminérgica pode ser gerada não apenas pela percepção de ganho financeiro, mas também pela simples expectativa do prêmio ou pelo status atribuído aos ganhadores, muitas vezes percebidos como habilidosos ou inteligentes.
Portanto, a princípio, o ganho é certo. Muito atraente, não? E assim como as paixões cegam, os jogos modificam a percepção das pessoas. As distorções cognitivas, ou erros de interpretação da realidade, dos jogadores são variadas e envolvem a superestimação de habilidades pessoais. A "falácia do jogador" leva os indivíduos a acreditarem que eventos aleatórios podem ser influenciados por eventos anteriores ("se deu 'cara', agora dará 'coroa'"). O "viés de memória" faz com que se lembrem mais dos ganhos que das perdas, enquanto os "near misses" (na trave) os levam a acreditar que estão "quase ganhando" em vez de sempre perdendo. E assim segue o jogo.
Essa capacidade de envolver as pessoas acaba tornando os jogos um comércio muito atrativo e, não à toa, influencers usam dicas de jogadas para divulgar cassinos on-line. Tais dicas nada mais são que reforçadores das distorções cognitivas. Sem contar a facilidade em manipular os resultados a favor da casa, o que já existia até mesmo nas versões "analógicas" dos cassinos.
Ainda que a regulamentação das apostas possa impedir fraudes e aumentar a arrecadação de impostos, os jogos de azar continuam sendo... jogos de azar. Ou seja, o jogador não consegue ter qualquer controle sobre os resultados. A regulamentação também traz a ameaça do aumento da oferta e, com isso, mais pessoas estariam expostas aos riscos associados aos jogos, dentre eles o transtorno do jogo.
Entre as populações mais vulneráveis a progredir do jogo regular para problemático, destacam-se as mulheres de meia-idade e os adolescentes do sexo masculino, os quais tendem a apresentar comportamentos de jogo mais graves. De forma semelhante ao que ocorre nos transtornos por uso de substâncias, os jogadores apresentam compulsão, continuando a jogar apesar dos problemas percebidos; tolerância, com necessidade de aumentar o valor das apostas para ter a mesma sensação que sentiam com apostas menores; e uso para alívio do sofrimento, quando a pessoa passa a jogar para recuperar as perdas e não mais pelo prazer de ganhar. Esses sintomas, assim como o uso de mentiras para acobertar as apostas, pedidos de empréstimos para continuar apostando e jogar para melhorar o humor, caracterizam o transtorno do jogo.
Adicionalmente, o risco para complicações e comorbidades psiquiátricas é maior. As taxas de ideação ou tentativas de suicídio chegam a 80% e 15%, respectivamente, enquanto as de depressão, ansiedade e abuso de álcool podem chegar a 75% dos casos. O endividamento crônico e a dissolução familiar são frequentes, impondo uma sobrecarga significativa para as famílias. As dificuldades para o tratamento não se limitam à falta de acesso a serviços especializados e escassez de estudos sobre o tema. O transtorno do jogo é considerado uma "hidden addiction" (adicção oculta), por não deixar marcas evidentes de consumo, como o odor no caso de álcool, e a sensação de culpa e vergonha adiam a busca por ajuda. Isso reforça a importância de se priorizar estratégias de prevenção.
No Brasil, um estudo de 2010 da Universidade de São Paulo (USP) identificou uma prevalência de 1% para o transtorno do jogo. Entretanto, a partir de 2018, a oferta e a facilidade de acesso a apostas on-line aumentaram consideravelmente, e esse fenômeno veio acompanhado do aumento nas taxas do transtorno em outros países em que isso também ocorreu. Dados do Datafolha publicados neste mês apontam nessa direção e indicam que 15% da população brasileira já apostou ou aposta de forma on-line, com um gasto médio mensal equivalente a 20% do salário mínimo de 2023. Beneficiários do Bolsa Família estão entre os apostadores e, para eles, as consequências financeiras das perdas podem ter um impacto ainda mais significativo. Podemos arcar com essas consequências?
Se você costuma apostar e assimilou bem o alerta, não hesite em apertar o botão da desistência. No BBB, assim como nos cassinos, quem sempre ganha é a casa.
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