Quando descobriu um câncer de mama de grau 4 na década de 1970, a pensadora norte-americana Susan Sontag notou que médicos, pacientes, familiares, amigos e mídia tratavam a doença sob a perspectiva bélica. Hoje, seguimos usando as metáforas de guerra para lidar com o câncer. O paciente é o guerreiro que luta pela saúde contra um inimigo. Se sara, vence a batalha. E do contrário? É um perdedor?
Poucos têm a sensibilidade de Sontag — que foi curada da doença e morreu em 2004, aos 71 anos — de perceber como é cruel transformar o tratamento de uma enfermidade, seja ela qual for, em um campo de guerra. Coloca-se, assim, no paciente, a responsabilidade por seu restabelecimento.
Quem conviveu com pessoas que receberam o diagnóstico de um tumor maligno sabe como é difícil o espírito não se abater, mesmo quando são altas as chances de recuperação, ou se a fé — na vida, na ciência ou na religião — é grande. Cobramos dessas criaturas uma "atitude proativa", queremos ver positividade, nada de choro ou insegurança; no caso das mulheres, praticamente exigimos que se mantenham bonitas, pintem o rosto, vistam-se com elegância e, se perdem os cabelos, que se orgulhem de suas carecas como símbolo de força e resistência.
Não que se faça por mal. Tememos a doença do outro também porque ela espelha nossa própria fragilidade. E, claro, se queremos o bem-estar e a cura de quem nem conhecemos, por que não esperaríamos o melhor desfecho para nossos amigos e familiares? Temos, sim, que desejar o tratamento mais bem-sucedido possível. Mas sem pressionar o paciente para que "guerreie contra a doença com todas as suas armas", como se a impossibilidade do total restabelecimento fizesse dele um perdedor.
Hoje, temos conhecimento de cuidados preventivos que podem reduzir o risco de diversas doenças. O corpo é um depósito de células que, no geral, funcionam muito bem. Cigarro, álcool, excesso de gordura e falta de oxigenação, por exemplo, dificultam o trabalho do organismo e, no caso do câncer, podem causar alterações genéticas que fazem com que uma única célula comece a se replicar sem controle, invadindo outros tecidos, eventualmente.
Porém, existe a possibilidade de alterações celulares ocorrerem aleatoriamente. Embora fascinante, o corpo humano não é uma "máquina perfeita". As vértebras, por exemplo, não estão acostumadas à posição vertical. Por isso, segundo a Organização Mundial da Saúde, 80% das pessoas têm ou terão dor de coluna. Também temos um "ponto cego" na visão, a anatomia da faringe predispõe engasgos e, por não serem internos, os testículos superexpõem os gametas masculinos.
A cura ou o controle de uma doença depende de variáveis, como a descoberta precoce e o acesso aos serviços de saúde. O protagonismo do paciente é fundamental: a não adesão às recomendações médicas reduz as chances de sucesso. Pesquisas também indicam que a forma como se lida com o diagnóstico pode impactar os resultados, por isso a importância de acompanhamento psicológico e de práticas integrativas, como meditação, complementares ao tratamento.
Daí a exigir do paciente a atitude de um guerreiro é bem diferente. Que deixemos as metáforas bélicas para outras ocasiões. No tratamento de uma doença, independentemente do resultado, ninguém é perdedor.
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