Crise Climática

Artigo: Transição energética e as pérolas do futuro

A cadeia do hidrogênio de baixas emissões em desenvolvimento é, indubitavelmente, o novo colar que podemos exibir nos salões, nesses novos tempos

ECO-hidrogênio verde
 -  (crédito: Valdo Virgo)
ECO-hidrogênio verde - (crédito: Valdo Virgo)

» Clauber Leite, coordenador técnico do Instituto E Transição Energética

Ícones de elegância e refinamento ao longo da maior parte da história, as pérolas permitem um paralelo com a busca por alternativas na transição energética. Enquanto o mundo da moda recupera os antigos colares, a COP28 emerge como um palco crucial para discutir o futuro energético global.

No século 19, territórios do Golfo Pérsico tinham as pérolas como elemento central de sua economia. As reviravoltas da sorte, no entanto, transformaram radicalmente a economia local, com a descoberta do petróleo, que afetou profundamente o desenvolvimento do capitalismo no século 20.

Parte das regiões dependentes do combustível fóssil parece estar conseguindo se livrar dessa maldição econômica. Dubai, por exemplo, vem diversificando seu PIB, composto, agora, também por serviços, comércio e produção industrial. Mas as negociações na COP28 mostraram que, apesar dessas mudanças, o petróleo ainda tem peso fortíssimo em boa parte do mundo, como indica a declaração do presidente do evento (e também da petroleira Adnoc), Ahmed Al Jaber, de que não há critério científico para a eliminação dos combustíveis fósseis.

Felizmente, no caso da COP, alguns resultados foram obtidos, sendo o principal deles a proposição, no documento final, da transição dos combustíveis fósseis (transitioning away from, no termo em inglês). Não conseguimos, no entanto, a esperada — e urgente — eliminação gradual (phase out).

O fato é que as discussões, na conferência, refletem as dificuldades de uma mudança da magnitude necessária — não custa lembrar que o ano de 2023 recentemente foi confirmado como o mais quente da história. Os compromissos proferidos de aumento dos investimentos em fontes renováveis de energia — 118 países, incluindo o Brasil, concordaram em triplicar sua capacidade nessas fontes, atingindo um total de 11.000 GW até 2030 — podem ser interpretados como uma resposta reativa, em vez de iniciativas proativas na direção de uma verdadeira transição energética.

O Brasil compartilha desse dilema. Hoje, nosso principal desafio em termos dessa transição é garantir, ao menos, a manutenção da renovabilidade da nossa matriz energética. Mas o ingresso na Opep , a possibilidade de exploração de petróleo em novas fronteiras, como a Margem Equatorial, e o sucesso dos leilões de concessão de novos blocos do energético acentuam o desafio, reforçado pela importância preocupante das usinas térmicas a gás natural no setor elétrico e pela perspectiva de novas contratações nesse sentido.

Não há dúvidas de que o brilho dessas pérolas, somado a condições extremamente precárias em que vive grande parcela população brasileira, segue hipnotizando boa parte da nossa sociedade por seu potencial de geração de divisas ao país. Porém, a história nos ensina e as mudanças climáticas exigem que busquemos alternativas às soluções do século passado.

Pelo menos, parte dessas alternativas já está mais próxima do que muitos imaginam. A cadeia do hidrogênio de baixas emissões em desenvolvimento é, indubitavelmente, o novo colar que podemos exibir nos salões, nesses novos tempos. E não se trata de um colar simples, mera coleção de esferas alinhadas sobre roupas de grife ou suas imitações: o hidrogênio de baixo carbono pode ir muito além do que uma simples commodity para exportação.

O potencial brasileiro de produção do insumo a partir de fontes renováveis de energia e a nossa capacidade de diálogo, combinados com o anseio dos grandes compradores globais por produtos industriais de baixo carbono e sua disposição de pagar um prêmio por esse diferencial, têm tudo para se destacarem como a principal chave da nossa transição energética.

Afinal, tal dinâmica pode ir muito além dos efeitos da indústria fóssil de apenas melhorar as condições da nossa balança comercial. Pode, sim, proporcionar uma transformação da nossa produção num ciclo virtuoso de investimentos produtivos, diversificação econômica e geração de emprego e de renda. Sem dúvida temos pérolas que, se bem cultivadas, farão uma enorme diferença para o futuro de todos nós.

 

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postado em 18/01/2024 06:07
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