MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES, Pesquisador da Embrapa Agroenergia
Em um mundo em que as preocupações terrenas parecem sufocar nossos horizontes, programas de exploração espacial podem parecer um luxo desnecessário para alguns. No entanto, é precisamente nos confins do cosmos que encontramos não apenas desafios intrigantes, mas também possibilidades de superação de desafios aqui na Terra. Ao avançarmos em direção às estrelas, desafiamo-nos a repensar limites, o que proporciona terreno fértil para a criatividade e a inovação.
Remontando ao Programa Apollo, conduzido pela agência espacial norte-americana, a Nasa, percebemos os frutos duradouros que a exploração espacial pode gerar. Suas conquistas não apenas abriram novos horizontes no espaço, mas também catalisaram avanços científicos que estimularam o desenvolvimento tecnológico aqui na Terra. Das tecnologias de comunicação aos novos materiais e às descobertas médicas, as sementes plantadas na corrida lunar floresceram em inovações que moldaram nosso cotidiano.
O sucesso das missões Apollo inspirou muitos jovens a seguir carreiras na ciência e na engenharia. Foguetes mais potentes, cápsulas espaciais mais seguras e sistemas de navegação e comunicação mais avançados inspiraram o desenvolvimento de inúmeros produtos e serviços, como os satélites de comunicação, os GPS e os computadores pessoais. Essa influência continua a reverberar em inovações cotidianas, destacando o impacto duradouro da exploração espacial na nossa qualidade de vida.
Desde 2017, a Nasa vem escrevendo um capítulo ainda mais inovador da exploração espacial, visando levar astronautas de volta à Lua e estabelecer uma presença humana permanente no satélite. O programa é nomeado em homenagem à deusa grega da Lua, Artemis, e prevê missões de exploração científica e de desenvolvimento de uma base lunar permanente. A partir daí, serão desenvolvidas tecnologias e capacidade para a exploração de Marte e outros planetas no futuro.
Ao formalizar sua adesão ao Acordo Artemis em 2021, o Brasil uniu-se a outros 21 países comprometidos com o programa. Dentro dessa aliança internacional, o país destaca-se pelo interesse especial no desenvolvimento de tecnologias destinadas à agricultura espacial. Essa iniciativa visa garantir um suprimento estável de alimentos para os astronautas, enfrentando desafios científicos e tecnológicos notavelmente complexos.
A capacidade demonstrada pela agricultura brasileira de enfrentar com sucesso as condições desfavoráveis dos trópicos, como solos pobres e estresses ambientais extremos, é um atrativo para o consórcio. A experiência brasileira poderá ser valiosa para o desenvolvimento de práticas de produção compatíveis com os ambientes desafiadores que predominam no espaço.
Uma rede de pesquisa, com o suporte da Agência Espacial Brasileira (AEB) e liderança da Embrapa, foi estabelecida, envolvendo 12 instituições e mais de 30 pesquisadores unidos por um objetivo comum: inovar na produção de alimentos em ambientes extraterrestres. Essa rede já está empenhada no desenvolvimento de sistemas de produção adaptáveis ao espaço, buscando soluções para desafios complexos que cientistas e engenheiros precisam enfrentar para garantir a produção de alimentos em condições de elevada radiação, baixa gravidade e ausência de solo.
Um dos principais desafios será a escolha de espécies capazes de produzir alimentos em condições extremas no espaço. De início, os pesquisadores optaram por desenvolver sistemas-piloto priorizando duas espécies: batata-doce e grão-de-bico. A escolha foi baseada em adaptabilidade a condições adversas e na capacidade de atender às necessidades dietéticas dos astronautas em ambientes extraterrestres.
As duas espécies têm ciclos relativamente curtos e histórico de adaptação a estresses e a diversos sistemas de cultivo. Enquanto a batata-doce fornece carboidratos, vitaminas e antioxidantes, o grão-de-bico contribui com proteínas de alta qualidade, essenciais para a manutenção da saúde muscular e do sistema imunológico. Essa combinação equilibrada atende a necessidades dietéticas e ajuda a evitar deficiências nutricionais durante missões espaciais prolongadas.
Uma das expectativas da rede de pesquisa brasileira é de que o desenvolvimento da agricultura espacial inspire também inovações para a agricultura aqui na superfície terrestre, cada vez mais desafiada pela crise climática. Avanços que poderão também gerar crescimento econômico, com novas oportunidades de negócios e empregos. Ao impulsionar a indústria aeroespacial, o Brasil contribuirá não apenas para a expansão da fronteira espacial, mas também fortalecerá sua capacidade de participar da nova economia baseada no espaço, que deverá ganhar grande impulso nas próximas décadas.
Pela sua concepção, o programa Artemis indica que não estamos indo para o espaço sideral apenas para visitar — e, sim, para colonizar. Ao desempenhar um papel significativo nessa missão, o Brasil não apenas se integra à comunidade global de exploração espacial, mas se torna participante ativo de um movimento ousado rumo a inovações que transcendem as fronteiras que conhecemos. Esse caminho catalisará ciência, tecnologia e competências, elevando o Brasil ao patamar de nações engajadas na busca de futuros audaciosos na exploração espacial com consequências positivas aqui na Terra.
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