Telemedicina

Artigo: Telemedicina é para todos, mas nem todos estão preparados

A equidade no acesso é uma questão crítica, uma vez que nem todos têm ao seu alcance dispositivos tecnológicos ou uma conexão confiável à internet, entre outros problemas de infraestrutura

. -  (crédito:  Getty Images/iStockphoto)
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» Dulcineide Oliveira, mestre em saúde pública pela Fiocruz e diretora da Telehealth MV

 

A telemedicina, nos últimos anos, tem se destacado como uma ferramenta valiosa, proporcionando uma gama de benefícios que vão desde a ampliação do acesso à assistência médica até a otimização dos recursos de todo o ecossistema de saúde.

Para consolidar as oportunidades ofertadas pela saúde digital no Brasil, decorrentes das lições aprendidas durante a pandemia da covid-19, o Conselho Federal de Medicina regulamentou a prática da Telemedicina por meio de sua Resolução n° 2.314 em abril de 2022. Em consonância, a Lei nº 14.510 foi sancionada em dezembro do mesmo ano, conferindo regulamentação definitiva à prática de telessaúde no país.

O governo federal propõe a Estratégia de Saúde Digital 2020-2028, que discute o estabelecimento da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), um programa destinado à transformação digital da saúde no Brasil. Seu principal objetivo é facilitar a troca de informações entre os diversos pontos da Rede de Atenção à Saúde, promovendo a interoperabilidade e, assim, possibilitando a transição e a continuidade do cuidado nos setores público e privado. Também está em discussão o Projeto de Lei nº 3.814 de 2020, que dispõe sobre o prontuário eletrônico unificado do cidadão, o que indica o quanto o tema está em evidência tanto para os gestores públicos quanto para os privados.

Contudo, é importante reconhecer que nem todas as pessoas estão igualmente preparadas para aproveitar plenamente dos cuidados ofertados pela telemedicina. Um dos principais benefícios do atendimento de saúde a distância é a capacidade de superar barreiras geográficas, proporcionando acesso a serviços médicos, especialmente para pacientes que residem em áreas remotas e/ou carentes de certas especialidades médicas, os chamados "vazios assistênciais". A equidade no acesso é uma questão crítica, uma vez que nem todos têm ao seu alcance dispositivos tecnológicos ou uma conexão confiável à internet, entre outros problemas de infraestrutura. É um desafio tanto para os pacientes quanto para profissionais de saúde, que, em muitos casos, não contam com estrutura para o trabalho remoto nem letramento digital para desenvolver as funções.

Dados divulgados, neste mês, no Censo da Oncologia Clínica do Brasil, elaborado pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), em parceria com o Datafolha, mostram que 54% dos oncologistas brasileiros estão na região Sudeste. Assim como, os Arquivos Brasileiros de Cardiologia reportam praticamente a mesma densidade de cardiologistas (55,5%) na referida região, evidenciando uma dificuldade significativa no acesso às populações mais distantes e, consequentemente, contribuindo para o aumento das filas de espera para esses serviços.

Logo, torna-se imprescindível a criação de alternativas para que as especialidades médicas cheguem aos pacientes em áreas mais remotas, e eu vislumbro a telemedicina como um caminho concreto para isso. Durante minha jornada como diretora de telessaúde na Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, participei de uma experiência extremamente enriquecedora na implementação da telemedicina no estado, durante a pandemia. Utilizamos a plataforma Clinic, cedida de forma gratuita pela MV, e conseguimos estabelecer, em algumas unidades de atenção especializada do SUS, um serviço de consulta médica completamente on-line, com agendamento via celular e assinatura digital.

Entre as diversas especialidades ofertadas no estado, mais de 45 mil pessoas já foram atendidas, com destaque para cardiologia com mais de 15 mil atendimentos. Com a oferta de serviços de telessaúde, podemos reduzir e qualificar filas de espera em diversas especialidades, nos mostrando que é viável a implantação de atendimentos remotos em saúde também no SUS. As boas experiências que tivemos durante a pandemia, portanto, caminham para o processo de institucionalização da telemedicina nas redes de atenção à saúde.

Com as leis promulgadas em 2022, surge a expectativa de que a formação dos profissionais de saúde incorporem, em sua prática, a saúde digital e a telessaúde. A formação adequada para a prática da assistência virtual, a compreensão das ferramentas tecnológicas e a manutenção dos padrões éticos são aspectos cruciais, que demandam atenção prioritária no contexto de transformação digital dos serviços. Investir na capacitação dos profissionais é fundamental para garantir a qualidade e a segurança dos serviços de telemedicina.

A telemedicina é uma ferramenta valiosa para aprimorar o sistema de saúde no Brasil, mas seu pleno potencial só será alcançado quando contemplados os desafios de forma abrangente. Autoridades, profissionais de saúde e a sociedade devem colaborar para criar soluções que garantam acessibilidade, segurança e qualidade nos serviços de telemedicina, assegurando que ela seja verdadeiramente inclusiva.

As perspectivas futuras são promissoras, quando impulsionadas por estratégias como o incentivo à infraestrutura tecnológica, o treinamento profissional contínuo, regulamentações específicas e parcerias público-privadas, visando tornar a telemedicina mais acessível, eficiente e centrada no paciente. Somente assim, poderemos afirmar que a telemedicina é verdadeiramente para todos, garantindo que ninguém seja deixado para trás na busca por cuidados de saúde de qualidade.

 

 

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postado em 11/01/2024 06:00
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