Na última edição de 2023 do Correio Braziliense, o jornalista Luiz Carlos Azedo provocou nominalmente este leitor a refletir sobre o papel da educação na construção do futuro do Brasil. Entre envaidecido e comprometido, respondo que apenas educação não é suficiente, mas é absolutamente necessária para construir um país rico, democrático, justo, sustentável e pacífico. A his tória mostra que, além da educação, é preciso liberdade para fazer florescer a criatividade, que a cooperação internacional é necessária para aproveitar recursos externos, e a democracia, para corrigir rumos errados, mas a educação é o eixo central para enfrentar cada problema brasileiro e construir o progresso, especialmente nestes tempos em que a economia é baseada no conhecimento.
O Brasil tem o PIB elevado, mas não sai da armadilha da baixa renda per capita, por depender de aumento na produtividade, devido sobretudo à falta de educação em geral e sua vertente profissionalizante. Temos imensa renda social por causa do tamanho da população e do potencial natural, mas não conseguimos sair de sua perversa concentração, nem da baixa renda per capita. Em consequência, temos os péssimos indicadores sociais, todos vinculados à falta de educação de base. O desemprego depende, por um lado, de investimentos para criar vagas, e, por outro, do preparo profissional para preencher vagas criadas e preparar o trabalhador a adaptar-se à evolução tecnológica. O Brasil tem potencial para ser líder na nova indústria digital e sustentável, cuja base está no desenvolvimento científico e tecnológico que exige aproveitar todos os cérebros, não deixando nenhuma criança para trás em sua educação de base.
Apesar de décadas de crescimento econômico, dezenas de conquistas trabalhistas e diversos programas de assistência social, a pobreza e a desigualdade persistem no Brasil porque a distribuição de renda e dos benefícios sociais decorre da distribuição do conhecimento, graças ao acesso à escola com a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da criança. A pobreza e a desigualdade só serão enfrentadas corretamente quando o Brasil superar seu sistema escolar dividido em "escolas senzala" e "escolas casa grande".
Nos últimos anos, vimos a fragilidade de nossa democracia, porque não basta ter Constituição cidadã se ela não for internalizada na alma da nação, graças à educação com qualidade e equidade. É a educação que fortalece e humaniza a democracia, transformando-a de um texto escrito em um guia da nação. Os constituintes fazem a Constituição, mas são os professores que a incorporam na alma do povo. Depois de 40 anos, temos uma democracia bárbara que divide as cidades na apartação de condomínios e ocupações, oferece os serviços sociais de qualidade, especialmente educação, apenas à parte rica da população. Sua transformação em democracia civilizada passa por educação de qualidade para todos.
Tanto a corrupção no comportamento de políticos quanto na definição de prioridades pela política tem várias causas, mas todas têm a ver com a educação. Os políticos corruptos são doutores instruídos, mas não foram educados para a cidadania, os eleitores sem educação se submetem por necessidade à venda do voto ou são enganados mais facilmente pela demagogia. A violência urbana exige polícia e justiça eficientes, mas requer ampla educação para quebrar a desigualdade que insufla violência, e também para educar ao desarmamento e pacificar a população.
Educação não faz tudo, mas faz o que é preciso para que tudo seja feito. O Brasil já tentou independência, república, ditadura, democracia, desenvolvimentismo, marcha para o oeste, governos de direita e esquerda, mas nunca tentou o educacionismo. Só uma radical estratégia educacionista vai permitir ao Brasil dar o salto que precisa e ter condições para aproveitar seu maior recurso potencial: nossa população educada.
Talvez, os maiores entraves para isso sejam a mentalidade, que vê educação como um serviço social e não como fator de produção e de distribuição no mundo moderno, e a cultura atávica, que não vê os brasileiros como possíveis campeões em educação, nem acredita na possibilidade de os filhos dos pobres terem escolas com a qualidade dos filhos dos ricos. Os desafios do educacionismo são convencer o Brasil de que isso é preciso, é possível, esta é a hora, este é o caminho, e definir a estratégia para realizá-lo: criar um Sistema Único Nacional Público de Educação de Base com a máxima qualidade, independente da renda e do endereço da pessoa.
Cristovam Buarque - Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
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