» Milena Pitombeira, membro do corpo diretivo do Comitê Brasileiro de Pesquisa e Tratamento da Esclerose Múltipla e neurologista do Hospital Geral de Fortaleza
A esclerose múltipla (EM) é uma doença imunomediada que pode atingir o cérebro, a medula espinhal ou o nervo óptico. De forma simplificada, o sistema de defesa da própria pessoa passa a agredir o sistema nervoso central causando danos à bainha de mielina, que funciona como a capa do "fio elétrico " do neurônio, fazendo com que o impulso nervoso e as funções neurológicas sejam afetadas.
O nome da doença, cunhado pelo neurologista francês Charcot há mais de 150 anos, traz o conceito da multiplicidade dos sintomas, que varia desde formigamentos, fraqueza e fadiga a alterações da visão, do equilíbrio ou do controle urinário. Embora a descrição inicial já tenha mais de um século, a causa exata da EM ainda não é conhecida, mas sabemos que muitos fatores influenciam na chance de desenvolver a doença, como genética, exposição a infecções, principalmente ao vírus Epstein-Barr, e hábitos de vida, como o tabagismo. Apesar de um imenso esforço da comunidade científica e do enorme avanço no tratamento da EM nas últimas três décadas, a doença segue sem cura.
A maior parte das pessoas que recebem o diagnóstico de EM são mulheres na casa dos 20 a 30 anos, que apresentam a doença em forma de surtos, quando os sintomas se instalam e podem remitir mesmo sem tratamento, dificultando o diagnóstico. Para agravar os desafios, por se tratar de uma doença considerada rara, muitos profissionais de saúde, inclusive médicos, a desconhecem, fazendo com que pacientes tenham um intervalo de anos entre o primeiro sintoma e o início do tratamento. Para trazer para a conversa um exemplo muito comum, no acidente vascular cerebral (AVC), usamos a frase corriqueira "tempo é cérebro", pois sabemos que minutos podem fazer a diferença. Mesmo não sendo urgente quanto no caso de AVC, a demora na descoberta da EM leva ao acúmulo de dano e incapacidade, sendo também fundamental o reconhecimento e o diagnóstico precoces.
Temos neurologistas e centros especializados no diagnóstico e tratamento da EM espalhados por todo o país, mas ainda poucos para o tamanho do nosso território, sendo que eles estão concentrados, principalmente, nas capitais e nas regiões Sudeste e Sul. Esse cenário, provavelmente, subestima o número de pessoas que vivem com a doença nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Observem que utilizo, aqui, o termo provavelmente, pois há uma insuficiência de dados sobre a doença no Brasil, fazendo com que caminhemos um pouco no escuro.
Embora muitas perguntas importantes ainda precisem ser respondidas, a primeira pergunta que devemos procurar fazer é: quantos pacientes vivem com esclerose múltipla e quais os fatores que influenciam na doença no nosso meio? Entendendo essa questão como fundamental, o Comitê Brasileiro de Pesquisa e Tratamento em Esclerose Múltipla (BCTRIMS) lançou, em 2021, uma iniciativa de banco de dados — o BRANDO (CollaBoRative LAtin AmericaN Database for Multiple SclerOsis), que tem o objetivo de iniciar e manter, em diversos centros, uma coleta de informações contínua para fortalecer a pesquisa nessa área, no país e na América Latina.
Muitos podem se questionar se um banco de dados tem o potencial de ajudar, de fato, as pessoas que vivem com EM e podem ver a pesquisa como algo distante de suas realidades. É bem verdade que há muitos anos países europeus e norte-americanos que mantêm bancos de dados, e vários avanços que vemos hoje se devem a esse acúmulo de conhecimento, somado ao esforço de pesquisadores para desenvolver novos tratamentos em realidades distintas da nossa. Mas o fato é que essas terapias chegam aqui e, para serem incorporadas e disponíveis, tanto no Sistema Único de Saúde quanto na saúde suplementar, os dados e os números podem ser nossos maiores aliados. Eles ajudam a guiar políticas públicas e definir prioridades. Além disso, é preciso entender que nossa população é geneticamente diferente e está exposta a fatores sociais e ambientais distintos, sendo fundamental termos bancos de dados mais específicos para guiar os tratamentos no nosso meio.
Se você é uma pessoa que vive com esclerose múltipla, um familiar ou um profissional da saúde, preciso lhe dizer que existem muitos desafios nessa área, mas, sobretudo, que devemos ter esperança, pois a EM é uma das doenças neurológicas crônicas com maior investimento em novas terapias nos últimos anos e com uma mudança radical na qualidade vida dos pacientes. E se você, como eu, acredita que, além do controle, temos que buscar a prevenção e, sobretudo, a cura, aconselho que continuemos nossa caminhada juntos, fortalecendo nossos dados, nossos cérebros e, principalmente, nossas esperanças.
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