Política

Sucupira não morreu

Passados 50 anos da novela O Bem Amado e a história ainda repete aquele contexto. O político que disputa a eleição é diferente do mesmo político que assume um mandato.

opini0201 -  (crédito: kleber sales)
opini0201 - (crédito: kleber sales)

Em 2023, comemorou-se 50 anos da novela O Bem Amado, um clássico da teledramaturgia em forma de sátira. Até hoje, é usada como exemplo para caricaturar o comportamento da política brasileira. Odorico Paraguaçu foi eleito prefeito de Sucupira, uma fictícia cidade baiana, que parece ser um retrato de algumas cidades brasileiras. Muitas vezes, mais perto do que muitos imaginam. Odorico Paraguaçu é um político corrupto, demagogo e de péssimo caráter. Sua forma de agir fez de sua marca a gestão cômico-trágica.

Como todo populista, Odorico procura agradar os eleitores com sua verborragia. Expressa seu amor pelo povo, na distância de seus gestos e na forma de sua fala, com desprezível falta de empatia. A promessa de campanha do prefeito foi a construção de um cemitério. Obra pronta, a inauguração, no estilo "pão e circo", necessitava de uma morte. Era relevante o comício e a festa para encetar o feito. Todavia, a dificuldade era a falta de óbitos em Sucupira. A grande missão do prefeito foi, então, torcer por um falecimento, apesar de defender a vida nos discursos. De forma caricata, parece que Odorico Paraguaçu representa a política onde a palavra do político não se reflete em suas ações.

Passados 50 anos e a história ainda repete aquele contexto. O político que disputa a eleição é diferente do mesmo político que assume um mandato. A promessa de campanha, para alguns políticos, não significa compromisso de mandato. E o pior é que a sociedade parece não ponderar essa situação, normalizando o perfil mitômano na política. A sensação é a de que a promessa impossível — uma mentira portanto — é premissa para se eleger. Isso é uma catástrofe para a democracia. O candidato se preocupa mais em falar o que o eleitor quer ouvir do que o que ele pensa. Mentir é prática para se eleger. Triste realidade.

As irmãs Cajazeiras formam outra marca histórica da novela e tão presente no universo da política. As três irmãs, Dorotéia, Dulcinéia e Judicéia eram as fiéis defensoras de Odorico Paraguaçu e da moralidade. Em público, conservadoras; no privado, homenageavam os mais primitivos desejos com o próprio Odorico. Isso reflete a hipocrisia que alimenta as relações de poder na política. Muitos que se associam ao conservadorismo e ao moralismo para a conquista de votos têm, em suas vidas privadas, condutas contrárias àqueles princípios, muitas vezes de forma impublicável.

E como esquecer do Nezinho e seu leal companheiro, o jegue. Nezinho do jegue era a marca da contradição. Quando estava sem o efeito do álcool, defendia o prefeito Odorico como seu legítimo cabo eleitoral. Após a ingestão alcoólica, se transformava em seu principal adversário, protestando aos berros com palavras contra o prefeito Odorico, até dormir. Não são poucos os Nezinhos que ficam a favor ou contra o político de plantão, independentemente de princípios. O importante para muitos é ajustar seus interesses pontuais, sempre com a desculpa de que fará tudo pela cidade que o elegeu, mesmo que isso signifique se unir ao seu antagônico. Não são poucos os Nezinhos que usam a bebida no seu dia a dia para esconder as suas verdadeiras opções políticas ou até dormir sob a desculpa do álcool para esconder suas verdadeiras decisões políticas.

Quem não se lembra do Dirceu Borboleta? Assessor do prefeito Odorico, ama caçar borboletas e tem verdadeira adoração pelo prefeitoprefeito Odorico Paraguaçu. É tratado por este como capacho. Todavia, quanto mais humilhado, mas ele o venera. Como todo ciclo tem um fim, principalmente quando baseado na hipocrisia, Dirceu Borboleta descobre que foi traído pelo prefeito. A traição, quando descoberta, foi imperdoável para o ingênuo Dirceu, que troca a veneração pelo ódio. Os ciclos na vida são assim. Quando se descobre a verdade escondida por trás da hipocrisia, a veneração se torna ódio e repulsa, e o hipócrita paga o preço com o ódio do ofendido.

Sucupira não morreu. Sucupira pode estar bem mais perto do que se imagina. Quantos Odoricos se aproveitam da ingenuidade dos Dirceus, da vulnerabilidade das irmãs Cajazeiras e da utilidade dos Nezinhos. Quantas galhofas são produzidas por Odoricos que utilizam a ridicularização para esconder seus interesses e não são percebidas pela sociedade? Mas todo ciclo tem um fim. E o que fica? A sátira e o ridículo de quem usou e abusou das fragilidades dos eleitores apenas para seus interesses. Odorico se manteve cheio de amigos, mas terminou na solidão construída pelo seu caráter. Odorico pagou o preço na novela O Bem Amado e todos os dias os vários Odoricos acertam suas contas com seus eleitores. Quando chega um novo ano, reacende a esperança de que o bem vença o mal e a justiça seja feita. Afinal, como em Sucupira, a esperança é a última que morre!

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VALDIR OLIVEIRA*Ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal
postado em 02/01/2024 06:00
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