O Brasil encerra 2023 com importante reversão de um movimento considerado um dos maiores desafios em saúde pública na atualidade: a queda na cobertura vacinal. Depois de sete anos de declínio, a aplicação de oito imunizantes do calendário infantil aumentou no país. Em 10 meses, proteções contra doenças como poliomielite, sarampo e caxumba superaram todos os registros feitos em 2022. Ao anunciar o balanço preliminar na última terça-feira, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, avaliou que o "movimento pela vacinação venceu".
De fato, estratégias como repasse de verbas para ações regionais de estímulo à vacinação, tentando adequar a solução do problema à realidade de cada unidade da Federação e município, e o lançamento do programa interministerial Saúde com Ciência, fortalecendo uma união que precisa ser indissociável, surtiram o efeito esperado antes mesmo de dezembro chegar. Mas, como reconhece a própria gestora da pasta, há muito a se fazer.
A cobertura vacinal da poliomielite, por exemplo, chegou em outubro a 74,6%, ante os 67,1% do ano passado. A meta de proteção estipulada por autoridades de saúde, porém, é de 95% — 20 pontos percentuais a mais do que a realidade brasileira. A doença altamente infecciosa só pode ser prevenida por vacina e é considerada Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional, condição definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e atribuída, recentemente, à covid-19 e à Mpox (varíola dos macacos) — ambas, no momento, fora dessa lista sanitária.
A divulgação de fake news sobre possíveis efeitos das imunizações é outro obstáculo recorrente. Basta considerar a forte estratégia de disseminação de informações falsas assim que o governo anunciou, no início deste mês, o reforço da vacina bivalente contra a covid-19. Uma delas associava a inoculação ao desenvolvimento da "síndrome de imunodeficiência adquirida por vacina" e, segundo monitoramento do governo, alcançou, no mínimo, 3 milhões de pessoas. A Justiça Federal determinou, na semana passada, a remoção das postagens que associavam a vacina à Aids.
É verdade que o reforço da bivalente é indicado para pessoas com mais 60 anos e imunossuprimidos a partir dos 12 anos, mas cabe destacar que o público infantil apresenta os piores índices de cobertura vacinal contra a covid-19 do país. Dos 6 meses aos 2 anos, apenas 5,4% completaram o ciclo. A faixa etária engloba justamente o período em que devem ser feitas as oito imunizações cujo aumento é comemorado agora pelo governo federal: hepatite A, poliomielite, pneumocócica, meningocócica, DTP (difteria, tétano e coqueluche), febre amarela, tríplice viral 1ª dose e 2ª dose.
Adesões tão divergentes em um mesmo público sinalizam uma possível seletividade nos hábitos protetivos e quão complexa é a empreitada para o entendimento da vacinação como uma medida de bem-estar coletivo. Especialistas na área, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, sugerem, entre outras medidas, que as vacinas sejam aplicadas nas escolas — uma instituição cujos benefícios também têm sido alvos de ataques nos últimos anos.
A recente guinada na cobertura vacinal no Brasil não implica embarque em caminhos tranquilos. Demanda que a estrutura engessada da máquina pública adote e atualize medidas capazes de ofuscar toda a inventividade desmedida do negacionismo. O país reconhecido internacionalmente pelo programa de imunização em massa volta aos trilhos em prol da saúde coletiva. Sigamos na rota da ciência.
Saiba Mais