Filantropia

Filantropia em 2024: podemos muito mais

Um dos principais motivos que dificultam a filantropia é a falta de planejamento financeiro básico. Não temos essa cultura no país

"Você já incluiu a filantropia no seu orçamento de 2024?" Essa pergunta, que li na web há poucas semanas, estimula algo que, infelizmente, não é comum em nosso país. Contribuir com parte da renda mensal de forma regular com uma causa nobre, de uma instituição idônea, ainda não é uma prática do brasileiro médio. Apesar de a solidariedade ser uma marca do nosso povo, a filantropia não é nem entre pessoas físicas, nem entre as jurídicas.

Segundo pesquisa de 2023 da consultoria Beja, o potencial de doações para o Terceiro Setor seria de R$ 28 bilhões/ano, ao passo que a estimativa de doações atuais é de R$ 4 bilhões — pouco, visto o tamanho dos abismos sociais que associações e fundações lutam para preencher.

Claro que é essencial considerar a realidade socioeconômica do nosso país. Mais da metade dos adultos ganha até R$ 14 mil ao ano (menos de R$ 1.200, em média, por mês), de acordo com o sociólogo e pesquisador do Ipea Marcelo Medeiros, autor de Os ricos e os pobres: o Brasil e a desigualdade. Mesmo assim, sobra uma boa parcela de brasileiros que poderia contribuir para causas sociais, ambientais, animais, educacionais, e ainda não o faz. Por quê? É para essas pessoas/empresas que falo: para quem tem recursos extras e para quem tem alguma possibilidade, mesmo que pequena, de se planejar para doar.

Um dos principais motivos que dificultam a filantropia é a falta de planejamento financeiro básico. Não temos essa cultura no país. Para poder doar, é preciso estruturar receitas e despesas, avaliar o que pode se transformar em contribuição fixa e manter a organização para conseguir cumprir um compromisso que, em primeira instância, é consigo mesmo. Afinal, qual a nossa finalidade neste mundo?

Grande parte das ONGs e de outras organizações da sociedade civil sobrevive exclusivamente dessas doações mensais. Os valores, normalmente, são livres ou começam com R$ 20, R$ 30, que, quando somados, se transformam no que podemos chamar de Dignidade, com maiúscula. "Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome", já disse Caetano Veloso.

Há a opção de doar tempo. Os requisitos são os mesmos: planejamento e perseverança. O trabalho voluntário é feito por pessoas que, em meio às muitas tarefas, conseguem se organizar para contribuir com seus saberes e boa vontade por duas, quatro horas semanais. Imagine 300 humanos fazendo o mesmo para uma instituição? Voluntários que atuam no Instituto Nacional de Câncer (Inca vão finalizar 2023 doando mais de 29 mil horas de serviço e dedicação ao próximo, o que representa mais de R$ 220 mil reais, considerando o valor do salário mínimo.

Além do cidadão médio que pode apertar daqui e dali para doar dinheiro ou tempo, há filantropos com maior poder aquisitivo em potencial, ou já em atividade. O projeto Doe seu troco, da rede A Nossa Drogaria para o INCAvoluntário, braço social do instituto, está aí para provar que o real desejo de ajudar é o principal combustível para fazer a roda girar.

Oferecendo transparência ao consumidor que resolve doar seu troco para ações que beneficiam pacientes oncológicos em vulnerabilidade social (para que possam continuar seu tratamento após a alta hospitalar), a rede também criou e adicionou ao seu software de vendas um mecanismo que permite ao doador confirmar o destino do recurso. É uma iniciativa importante para enfrentar a desconfiança — outro fator que atrapalha o avançar da filantropia. O resultado? Em seis anos de parceria, mais de R$ 1 milhão foram doados, impactando a vida de milhares de pacientes e familiares.

E já que estamos no fim de mais um ano, aproveito a oportunidade e deixo a dica de um presente de Natal: uma das brilhantes palestras da filósofa Lúcia Helena Galvão, disponível na web para quem quiser ouvir. Em Podemos ser o que queremos ser?, ela nos convida a refletir: "Estamos felizes com aquilo que somos? Estamos preparados para ser essa mesma coisa até o último dia de nossas vidas ou isso nos traz algum tipo de inquietude e gostaríamos de ir além? Que tipo de ser humano você gostaria de ser quando tudo isso tiver terminado?".

 * Fernanda Vieira é gerente-geral do INCAvoluntário

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