O governo brasileiro gasta R$ 3 bilhões com a Lei Paulo Gustavo. Pulveriza o valor de forma aleatória, mas ignorou a Art Basel — maior feira de arte contemporânea do mundo, em sua 21ª edição, que teve sua abertura, no último dia 8, em Miami, nos Estados Unidos. Milhares de artistas, negociantes de arte, colecionadores e aficionados da arte participaram da megafeira com nada menos de 277 galerias espalhadas pela cidade.
A Art Basel é um choque cultural para quem participa, para quem assiste e para quem faz. Uma explosão sensorial em várias dimensões: inclusão de jovens talentos; interação com artistas com alguma deficiência cognitiva; mediação entre seres humanos e o mundo, destacando o papel da arte para a educação e formação dos valores estéticos, como beleza, harmonia e equilíbrio entre as pessoas. Fernando Pessoa tem razão: "A ciência descreve as coisas como são. A arte, como são sentidas, como se sente que são."
Acostumado a conviver com o mundo artístico, me surpreendi com a Art Basel. Achei que, primeiro, por força de minha profissão, pela passagem pelo Governo de Minas e como executivo de duas grandes multinacionais — Fiat e Coca-Cola — e, segundo, por ser pai de um roqueiro e de um artista plástico de rara sensibilidade com síndrome de Down, já tinha visto tudo. Não, a arte não tem limites. Ela é inexprimível.
Usar adjetivos para definir o Art Basel de Miami, como evento cultural, é temeroso. Miami é uma das cidades que mais recebem visitantes no planeta. E, pela Art Basel, um tsunami cultural invadiu suas ruas, galerias, seus bares, restaurantes, hotéis e night clubs. Grandes construções em formas variadas de tendas admiravelmente climatizadas ficaram visíveis nos quatro cantos da cidade.
Somados os artistas e expositores, em sua maioria de fora dos Estados Unidos, são milhares de pessoas que investem em torno de US$ 20 mil para sentir essa experiência cultural e artística alugando um espaço, em média, de 24 metros quadrados para passar uma semana tentando convencer os ávidos amantes das artes a comprarem suas peças.
É claro que o ambiente é extremamente eclético e reúne figuras verdadeiramente exóticas. Uma rara oportunidade de se encontrar pessoas e modelitos extravagantes, feitos para chocar e divertir. Um mosaico alegre e diferente de tudo que se pode encontrar num lugar público. Mas a grande revelação é a constatação de que a indústria da arte é espantosamente poderosa, gerando uma produção de riqueza concreta e de significativa relevância.
Com galerias vindas de todo o mundo, a Art Basel extrapola. Movimenta o transporte e a logística das peças de arte de todos os quadrantes. Aluguéis, construções, mobilidade e o mundo do marketing e da propaganda ocupam todos os espaços da cidade e todos os tipos de mídia. Bares, hotéis e restaurantes só conseguem administrar a demanda com um sofisticado sistema de reservas. Aluguel de veículos e os motoristas por aplicativos fazem em uma semana as férias do mês. O Design District, requintado território de grifes internacionais, se transforma num parque de diversões para quem compra ou para quem apenas adora ver coisas belas …. e caras.
O espetáculo deslumbrante de ver a arte viva e pulsante revela, em cada um, a verdadeira necessidade de apoiar a arte e a cultura com a certeza de que o enlevo da alma e da sensibilidade visual e criativa faz uma associação absolutamente democrática. E sempre assim: o talento não escolhe a categoria social, o sexo, a religião e a idade.
Pessoas com deficiências acessam, via a arte, a oportunidade de conviver por igual com os amantes das formas, das cores e dos movimentos. Acredito que uma forma de apoio de alto potencial à cultura nacional seria a criação de um programa, tipo APEX, para apoiar uma seleção espetacular de artistas brasileiros que representaria o país na Art Basel.
A arte made in Brasil é extraordinária, mas individualmente carece de recursos para se exibir num centro tão representativo de arte e cultura como a Art Basel. Hoje não são tantos, mas dá orgulho encontrar galerias com artistas brasileiros de São Paulo, Brasília, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte. Que o Brasil entenda que cultura não é despesa que só dependa de fomento. É um investimento de altíssimo retorno. A presença da arte brasileira em Miami durante a Art Basel seria tão importante quanto uma Copa do Mundo de futebol ou um torneio ATP de tênis com brasileiros disputando e vencendo.
A promoção de produtos brasileiros no exterior deveria ter a cultura e as artes como compromisso de Estado. É bem mais importante do que uma simples política de governo.
* Jack Corrêa é empresário e escritor
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