Em maio deste ano, quando fundamos o Pacto Contra a Fome, estabelecemos como visão chegar a 2030 sem nenhuma pessoa com fome e, em 2040, com todos os brasileiros bem alimentados. Hoje, 33 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar grave, ou seja, fome.
É inadmissível pensar que um país que produz 161 milhões de toneladas de alimentos, segundo dados da Embrapa, tenha seis em cada 10 cidadãos vivendo sob algum grau de insegurança alimentar.
O desafio a ser enfrentado para garantir comida na mesa é imenso e multifacetado. Apenas com a união da iniciativa privada, sociedade civil organizada e governos seremos capazes de vencer a perversa dinâmica da fome.
A alimentação é um direito garantido pela Constituição em seu artigo 6º. E essa garantia legal pode ter avanços à medida que a PEC 45/2019, que trata da reforma tributária, for aprovada no Congresso. O artigo 8º da proposta determina que a Cesta Básica Nacional garanta aos brasileiros uma alimentação saudável, respeitando aspectos regionais e culturais.
A inclusão desses critérios no texto aprovado pelo Senado e em discussão na Câmara é fruto do diálogo entre parlamentares e o Pacto Contra a Fome, apoiado por parceiros como Ação da Cidadania, Banco de Alimentos, Comida do Amanhã, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Gastromotiva.
Se aprovado, o texto norteará as discussões quanto à composição da cesta, feita posteriormente por meio de lei complementar. A inclusão é fundamental para garantir o acesso da população aos produtos, uma vez que está atrelada à incidência de impostos e ao preço.
Apesar de aparentemente singela, a mudança traz impactos significativos. A Cesta Básica Nacional é uma forma de estabelecer diretrizes para as demais políticas públicas de segurança alimentar. Além de ser um elemento norteador para questões de renda, como o Bolsa Família e o salário mínimo.
A longo prazo, a inclusão de produtos mais saudáveis à cesta básica causa uma mudança de hábitos alimentares, estimulando novas decisões de consumo e venda. Segundo recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), um adulto deve ingerir diariamente ao menos 400 gramas de frutas e hortaliças. No entanto, apenas 22,1% dos brasileiros consomem essa quantidade, de acordo com dados da Vigitel de 2021.
O resultado da alimentação inadequada pode ser visto nos indicadores de saúde. As chamadas doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão, diabetes e obesidade, são a principal causa de mortes de adultos no Brasil. Em 2018, o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou R$ 3,45 bilhões para custear esses tratamentos, segundo estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Além disso, a má alimentação está produzindo uma geração de crianças com deficiências alimentares que prejudicam seu desenvolvimento físico e cognitivo. É um problema atual, mas que compromete o futuro e impacta, a médio e longo prazo, o desenvolvimento econômico e social.
Soma-se a isso o fato de o Brasil, país de dimensão continental e biodiversidade ímpar, viver um processo de padronização alimentar. Estudo realizado pelo professor de economia da Unicamp Walter Belik apontou que 45% do consumo brasileiro está limitado a 10 produtos. Essa restrição traz riscos à saúde e também impacta negativamente a cultura e os saberes tradicionais locais, que acabam se perdendo com a massificação de padrão alimentar.
A mudança possível que se inicia com a aprovação do artigo 8º da PEC 45/2019 é, portanto, necessária para garantir o acesso da população à comida saudável e de qualidade e, com as políticas públicas adequadas e o apoio da sociedade civil e do terceiro setor, um novo paradigma alimentar, melhorando indicadores de saúde e econômicos e novos arranjos produtivos capazes de gerar trabalho e renda. É o ponto de partida capaz de promover ações estruturantes no Brasil de agora e do futuro.
*Geyze Diniz é cofundadora e presidente do conselho do Pacto Contra a Fome