Mamãe costumava dizer que conselho não evita filho, o que evita filho é remédio. Gestar e parir é algo natural do sexo feminino e, por isso, não entra na pauta de prioridade do Poder Público. No contexto de temas que podem ser abordados sobre a importância do planejamento familiar, é preciso chamar atenção para a urgente necessidade da redução de indicadores de gravidez na adolescência, realidade preocupante no Brasil e que acarreta uma série de prejuízos para a sociedade. Apesar da redução da gravidez nesse grupo no país (-32,7%, entre 2015 e 2019), os números absolutos ainda são altos. De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), por dia, 1.043 adolescentes se tornam mães no país.
A gravidez na adolescência representa riscos para a saúde e para o futuro das mães e dos seus bebês. Quando comparadas às mães de 20 a 24 anos, as adolescentes de 10 a 19 anos apresentaram maiores riscos de infecções sistêmicas, parto prematuro, condições neonatais graves, entre outras. Além disso, elas tendem a abandonar os estudos, têm três vezes menos oportunidade de conseguir um diploma universitário, maior taxa de desemprego e, quando empregadas, ganham, em média, 24% menos.
Nesse contexto, pouco se fala de outro indicador importante: a repetição da gravidez na adolescência. Um estudo realizado na Maternidade Municipal Mãe Esperança, em Porto Velho (RO), revelou que, entre as adolescentes, 37% tiveram de um a três filhos antes de completarem 20 anos. A OMS estima que 40% das adolescentes que engravidam terão uma segunda gestação nos três anos subsequentes.
A maioria dessas adolescentes — que engravidaram pela segunda vez — já passou pelo sistema público de saúde e deveria ter contado com o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, que tem o papel fundamental de oferecer um método contraceptivo antes da alta hospitalar e orientar esse público no pós-parto para serviços de acolhimento para a retomada dos seus projetos de vida.
Em um país com tantas desigualdades como o Brasil, os contraceptivos reversíveis de longa duração, os LARCs (long-acting reversible contraceptives), podem ser a solução para o adequado planejamento reprodutivo, por dispensar, após o período de adaptação, a presença constante na unidade de saúde. No Brasil, temos o dispositivo intrauterino (DIU) de cobre e liberador de levonorgestrel, e o implante subdérmico de etonogestrel. Em regiões onde o acesso é difícil, esses métodos são fundamentais para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e meninas.
O implante subdérmico de etonogestrel é facilmente transportável, não exige nenhum aparato especial para a sua inserção, e o treinamento é mais simples e rápido que aquele para inserção de DIU. Entre adolescentes, quando lhes é dada a oportunidade de escolher, a preferência é, de longe, pelo implante. Provavelmente por não necessitar de um procedimento ginecológico para a implantação, ou pela dificuldade de conviver com a ideia de um corpo estranho na região íntima.
A Associação de Obstetrícia e Ginecologia de Rondônia (Assogiro) tem empreendido esforços para incorporação do implante na rede pública do estado, a exemplo de Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Ceará, onde, de forma exitosa, as pacientes já têm acesso ao implante. Ainda assim, chama atenção o fato de, no Brasil, apenas 3% dos mais de 5 mil municípios existentes contarem com esse implante incorporado ao SUS.
Um estudo realizado pelo Instituto Ipsos este ano mostra que, embora nove em cada 10 brasileiras estejam conscientes sobre cuidados com a saúde sexual e reprodutiva, pouco mais da metade delas (53%) faz uso contínuo de contraceptivos. Entre o grupo que os usa continuamente, as preferências da maioria é por pílulas (33%) e preservativos (14%). Ou seja, levando em conta que 60% das gravidezes no Brasil não são planejadas, podemos considerar que métodos de curta duração, utilizados pela maioria, podem ser menos eficazes que os LARCs.
Se a oferta de métodos contraceptivos após evento obstétrico, antes da alta hospitalar, fosse rotina em todas as maternidades do país, certamente não teríamos a repetição da gravidez não planejada, com impacto na redução da mortalidade materna e infantil no Brasil, que tem índice de 117,4 mortes a cada 100 mil nascidos vivos. Planejar é o primeiro passo. LARCs no SUS é sinônimo de saúde, dignidade e acesso. É dever do Estado e direito de todas.
* Ida Perea é ginecologista, presidente da Associação de Obstetrícia de Rondônia e membro da Comissão Nacional Especializada de Mortalidade Materna da Febrasgo
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