Recente levantamento feito pelo jornal O Globo tomando por base dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, vinculado ao Ministério da Educação (Inep/MEC), mostrou uma crescente queda de participação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), de 2016 a 2022, de alunos da rede pública ao término do ensino médio — última etapa da educação básica.
Em 2016, quando houve a maior adesão, 67% dos jovens concluintes se inscreveram e fizeram os dois dias de prova; já em 2022, esse percentual despencou para 38%. Isso significa, como mostrou a matéria publicada, que só quatro em cada 10 alunos concluintes fizeram o Enem, porta maior de acesso ao ensino superior. Segundo os autores, essa é a maior preocupação do ministro da Educação, Camilo Santana, para o Enem 2024.
De fato, um problema corretamente apontado pelo ministro pode estar vinculado ao grau de envolvimento (maior ou menor) das secretarias de Educação no processo de participação de seus alunos no Enem, pois há uma grande assimetria nesse percentual de participação — por exemplo, enquanto no Ceará a taxa é de 71%, no estado de Roraima é de apenas 23%.
Para alguns especialistas, essa baixa participação no Enem pode estar associada à necessidade de os alunos buscarem alguma atividade laboral para complementar a renda familiar. Outra hipótese levantada tem a ver com o impacto da pandemia — muitos jovens ficaram literalmente sem atividades escolares em 2020 e 2021, e, assim, não se sentiram devidamente preparados para fazer o exame.
É bom lembrar que o fenômeno da autoexclusão não é de agora. Em 2002 — 20 anos atrás em relação ao levantamento feito agora —, o jornal Folha de S.Paulo já chamava a atenção para esse fenômeno. No estado de São Paulo, no ano de 2000, 430 mil alunos haviam concluído o ensino médio pela rede pública, e, desse total, apenas 51 mil se inscreveram no vestibular da USP — ou seja, apenas 12% dos concluintes. No estado do Rio de Janeiro, a situação não foi diferente: dos 92 mil alunos concluintes do ensino médio da rede pública, apenas 14 mil se inscreveram no vestibular da UFRJ.
Mas quero aqui trazer outra hipótese para explicar, nestes anos mais recentes, de 2016 a 2022, a crescente queda de participação dos alunos no Enem: o “sumiço” do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) — instrumento que foi muito importante para levar o estudante de baixa renda ao ensino superior (não vou entrar, aqui, no mérito de sustentabilidade do modelo e na forma como ele foi usado pelas instituições privadas de ensino superior). Hoje, são pouco mais de 50 mil vagas, e, sem um Fies robusto, o aluno de baixa renda vê suas chances de ingressar no ensino superior bastante reduzidas. E aí vem a questão: “Por que, então, fazer o Enem? Não estou devidamente preparado e nem tenho dinheiro para pagar uma faculdade particular”.
Em recente entrevista, o ministro Camilo Santana disse que quer chegar a 100 mil vagas em termos de vagas oferecidas via Fies — o que é um pingo d’água no oceano. Se minha hipótese estiver correta, o ministro vai continuar sem solução para sua maior preocupação. É interessante lembrar que a maior participação dos alunos concluintes da rede pública no Enem ocorreu em 2016, com 67%, e, naquela oportunidade, o Fies atingiu o seu ápice, com 700 mil vagas. Sempre é bom ter cuidado no uso adequado da estatística, mas isso, ao menos, reforça a nossa hipótese.
Por fim, não se pode esquecer o enorme esforço que as universidades públicas vêm fazendo para ampliar as chances de ingresso de alunos da rede pública em seus cursos superiores, como fizeram, agora, as universidades paulistas com o Provão Paulista. Mas ele é ainda insuficiente em face da crescente demanda por ensino superior, que amplia bastante as chances de ingresso ao mundo do trabalho, assim como faz o ensino técnico-profissionalizante — pouco utilizado pelos nossos estudantes, diferentemente daqueles de países mais desenvolvidos.
O fato é que o Brasil precisa de um novo Fies que promova a qualidade do ensino em cursos estratégicos para o seu desenvolvimento — como os de formação de professores em cursos presenciais, com currículos inovadores, mas que não conseguem competir com os preços praticados por aqueles do EaD. Creio, ministro Camilo, que é hora de pensar fora da caixa quanto ao Fies e promover, enquanto instrumento indutor, um modelo de qualidade para o ensino superior privado.
* Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto