Domingo passado (3/12), o governo da República Bolivariana da Venezuela perguntou à população, por meio de um referendo, a sua opinião quanto à pretensão histórica do país de reaver o território conhecido como Guiana Essequibo, atualmente sob jurisdição da Guiana. O resultado do certame demonstrou que a esmagadora maioria dos venezuelanos autoriza o governo a empregar esforços diplomáticos e até militares para retomar a região. A dúvida sobre a soberania da área é secular, apegando-se a Guiana à sentença arbitral de Paris, exarada em 1899, que a favorece, e a Venezuela, ao acordo de Genebra, assinado em 1966, que suspende o antigo acórdão, abrindo novas discussões.
Duas possíveis razões afloram para a investida da Venezuela. A primeira de caráter político, em vista das próximas eleições, nas quais a oposição, mesmo cerceada, mostrou-se forte para o embate. A segunda de caráter econômico, em face da descoberta de imensas jazidas de petróleo no litoral da região questionada. O Brasil, lindeiro de ambos os países, elevou o patamar de preocupação diante da possibilidade de um conflito na região e vem atuando para que as tensões voltem ao nível de tratar a disputa apenas esgrimindo a pena.
A tradição de Rio Branco é ótima referência aos litigantes. Dialogar, dialogar e dialogar até que os temas divergentes se alinhem rumo a uma solução aceitável pelos dois países. Contudo, mesmo não sendo polo direto da disputa, fatores geográficos exigem que o Brasil se ponha em prontidão diplomática e militar para não ver os seus interesses regionais e a integridade de seu território maculados.
Há anos, as Forças Armadas vêm reforçando a Amazônia para avaliar a importância geopolítica da região diante da cobiça externa de diversas origens. O ambiente multifacetado, de riqueza mineral e vegetal não quantificável, com características geográficas distintas, exige elevada flexibilidade no planejar o emprego de meios militares. Considerando os impactos da atual crise, o governo brasileiro, por meio do Ministério da Defesa, decidiu reforçar as estruturas operacionais já desdobradas na área com recursos humanos e meios militares transferidos de outras regiões do país.
Um deslocamento estratégico desse nível, avaliado em quase 4 mil quilômetros de estradas precárias, exige complexa preparação da tropa, logística no estado da arte, equipamentos modernos compatíveis com o teatro de operações e cooperação de todas as Forças para o êxito do empreendimento. O professor Pedro Pezarat, em sua obra Manual de geopolítica e geoestratégia, afirma que o sucesso da dissuasão militar se sustenta em três colunas: ter o país capacidade militar, credibilidade de que a usará e comunicação adequada sobre suas intenções. A sociedade brasileira não percebe a magnitude desse desafio por ser induzida a considerar a guerra obra de ficção vivida apenas por militares.
O mundo, infelizmente, se mostra cada dia mais irascível. O fim da história foi apenas um novo marco nas relações entre países. A Liga das Nações naufragou. A Organização das Nações Unidas segue o mesmo caminho. O sonho da paz como norma se mostrou inviável. Quando as Forças Armadas brasileiras forem obrigadas a exercer seu dever maior de defesa da pátria — inquestionavelmente, um dia isso virá a ocorrer — o cidadão iludido enfrentará, por fim, a angústia da realidade dos fatos.
Contra essa angústia, ou o Estado brasileiro, independente do governo de turno, atende prontamente às requisições das Forças Armadas para que elas sejam capazes de dissuadir e até atuar, ou ele não convencerá antagonistas sobre a nossa capacidade de poder militar e tão pouco sobre a credibilidade de que estará disposto a usá-la caso seja contrariado em nossos interesses.
Por mais efetivo que seja o Soft Power verde e amarelo, há limites para a sua eficácia. A história dos homens, desde a Idade da Pedra, nos mostra que em contenciosos que envolvam disputas sobre território, prevenir é melhor que remediar. A partir de uma análise racional do caso venezuelano, nesse momento, é pouco provável o irrompimento do conflito armado.
Minha avaliação é de que a campanha informacional, orientada para o público interno, tem como bastidor uma tentativa de amalgamar a população em torno do regime que vive seu mais débil momento. Tivemos no subcontinente sul-americano casos semelhantes, com resultados decepcionantes para os aventureiros. A luz amarela acesa pelo conflito de Essequibo deve servir de alerta: e quando não for bravata? Somos capazes, temos credibilidade e sabemos comunicar?
OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS - General de Divisão da Reserva